Article
1 comment

Quadro vacinal contra a dengue no Brasil
Rafaella Fortini Grenfell e Queiroz

mosaico Fiocruz

Detalhe do piso ornamentado feito de pastilhas de cerâmicas francesas.
Mosaico localizado na base da escadaria do segundo andar do Castelo da Fiocruz, campus Manguinhos. Fonte: Literatura, Rio de Janeiro & São Paulo

Atualmente, existem duas vacinas contra a dengue no Brasil. Ambas são vacinas com vírus atenuado que previnem a infecção causada pelos quatro sorotipos do vírus: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. As duas vacinas utilizam a tecnologia de DNA recombinante, na qual os genes dos diferentes sorotipos do vírus da dengue são inseridos na estrutura genética de um vírus atenuado. A diferença entre as vacinas está no vírus atenuado utilizado como estrutura genética de “base”: a Dengvaxia® usa o vírus vacinal da febre amarela, e a QDenga® usa o próprio sorotipo 2 do vírus da dengue (DENV-2) atenuado.

É importante salientar que o Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante no sistema público universal. A vacina distribuída pelo Ministério da Saúde aos municípios (com mais de 100 mil habitantes, com alta transmissão de dengue registrada em 2023 e 2024 e com maior predominância do DENV-2), desde fevereiro deste ano, é a QDenga® (Takeda). O Ministério da Saúde iniciou em março a imunização de crianças de 10 a 11 anos e está, agora, avançando progressivamente para crianças de até 14 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações por dengue, após pessoas idosas – grupo este ainda não aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devido à escassez de dados.


Foto: Raquel Portugal

O esquema vacinal é composto por duas doses de administração subcutânea com intervalo de três meses entre elas, indicado para crianças a partir de 4 anos de idade, adolescentes e adultos até 60 anos, independente de terem tido dengue anteriormente. A vacina QDenga® demonstrou um alto nível de proteção, com 80% de eficácia global nos estudos prévios à aprovação pela Anvisa. Além disso, apresentou proteção de até 54 meses após a segunda dose, com cerca de 63% de eficácia para doença sintomática de qualquer gravidade e 85% para internação por dengue. Para cada sorotipo viral, a eficácia foi de 69,8% para o sorotipo 1, 95,1% para o sorotipo 2 e 48,9% para o sorotipo 3. Em relação ao subtipo 4, não há ainda a definição de eficácia pelo número reduzido de casos causados por esse sorotipo, mas é possível saber que há proteção também contra o sorotipo 4.

A QDenga® possui como contraindicações a vacinação de pessoas com alergia grave a algum dos componentes da vacina, gestantes, mulheres amamentando, pessoas com imunodeficiências primárias ou adquiridas, incluindo terapias imunossupressoras, e pessoas que vivem com o vírus HIV, sintomáticas ou assintomáticas, quando acompanhadas por evidências de função imunológica comprometida. Ela também apresentou dados robustos de segurança, com registros de eventos adversos leves e transitórios, como dor de cabeça, dor no local da injeção, mal-estar e mialgia, tipicamente observados até três dias após a vacinação e mais frequentes após a primeira dose.

Outra vacina em fase final de desenvolvimento pelo Instituto Butantan, por ora denominada Butantan-DV, será importante no novo cenário de imunização populacional. A Butantan-DV já demostrou eficácia de 79,6% com uma única dose, conforme resultados recém-publicados do ensaio clínico de fase 3. Esse esquema vacinal é especialmente importante em epidemias, quando é necessária uma rápida proteção à população. O fato de ser uma vacina de dose única permitirá uma maior adesão populacional e, com isso, o aumento da cobertura vacinal.


Edifício Vital Brazil, no Instituto Butantan. Fonte: Mateus Serrer, Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

A Butantan-DV é composta pelos quatro sorotipos do vírus da dengue atenuados (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Essa tecnologia é conhecida por induzir níveis robustos e duradouros de resposta de anticorpos e resposta celular, o que ajuda a explicar a necessidade de menos doses. O ensaio clínico de fase 3 está em fase de conclusão com 16.235 indivíduos de todo o Brasil, com idades de 2 a 59 anos. A expectativa é que em alguns meses o pedido de registro seja protocolado para avaliação de registro na Anvisa. Para fortalecimento e agilidade desse processo, e diante da grave epidemia atual, a Anvisa adotará o procedimento de submissão contínua para avaliação do dossiê técnico com os dados e demais requisitos da vacina do Instituto Butantan. Além disso, a agência instituiu, por meio da Portaria 158, de 8/2/2024, um grupo de trabalho (GT) com especialistas que irá apresentar recomendações e emitir pareceres sobre vacinas de arbovírus, incluindo o vírus da dengue. O GT, do qual faço parte, atua no âmbito da Câmara Técnica de Medicamentos e tem como propósito apoiar o processo decisório de registro na Anvisa, fornecendo e discutindo evidências científicas, avaliando a segurança e a eficácia dos imunizantes e medicamentos.

O Brasil enfrenta um aumento expressivo nos casos de dengue. A introdução da vacinação contra a dengue é um marco importante no controle dessa doença, porém, seus efeitos na redução dos casos não serão imediatamente perceptíveis. A efetividade da vacinação só será plenamente observada quando a cobertura vacinal estiver ampliada o suficiente para proteger uma proporção significativa da população. Nesse sentido, é crucial monitorar os dados de imunização de vida real junto com a incidência de casos de dengue. Com a maior disponibilização de doses da vacina QDenga® e com a introdução da nova vacina do Instituto Butantan, em adesão às campanhas do Ministério da Saúde, faremos com que a vacinação de nossa população se torne uma importante forma de controle da doença e da gravidade da infecção.


Cúpula do Castelo da Fiocruz

Cúpula do Castelo Mourisco, feita de cobre e em planta octogonal. Fonte: Fundação Oswaldo Cruz

Dra. Rafaella Fortini Grenfell e Queiroz
Pesquisadora da Fiocruz Minas e integrante do GT instituído pela Anvisa para discussão de aspectos referentes à avaliação de eficácia e segurança no desenvolvimento de vacinas destinas à proteção contra dengue, Chikungunya e doença pelo Zika Vírus

1 Comment so far

  1. É preciso também que haja uma maior adesão da população à campanha. Como parte do GT, é bom estar atenta à desinformação que pode estar gerando essa resistência, para poder combater a ignorância com a verdade. É um grande trabalho que vocês têm pela frente. Coragem! Viva a vacina!

    Reply

Deixe um comentário

Required fields are marked *.