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Luto para nós é verbo!
Joseanes Santos

Essa foi a frase que ecoou no Brasil no dia 14 de março de 2018. Mulheres negras choravam a dor do assassinato da Marielle Franco.

Manifestação contra Jair Bolsonaro na Place de la République em Paris, 2018
Imagem: Junia Barreto

Quando recebi a notícia da morte da Marielle Franco fiquei abatida pela tristeza. Durante todo dia me lembrava das semelhanças entre nós: mulher negra, militante, mãe, de origem periférica, do axé, vozes de denúncia da violência estatal e polícial. O tempo todo eu pensava: ela era uma de nós. A mídia falava que a execução da vereadora Marielle foi como um ataque a democracia. Para mim não foi só isto. Foram quatro tiros para nos intimidar, para nos silenciar.

Marielle, lésbica, intelectualizada, rompeu barreiras sem negar suas origens, inverteu a ordem da pirâmide social, onde é comum a mulher negra estar na base carregando todo o peso do trabalho precarizado e desvalorizado. Mestra em administração pública, trouxe a público questões vivenciadas por grupos historicamente discriminados e resinificou o lugar da mulher negra em todas as faces do preconceito de gênero e raça.

Durante a sua vida interrompida barbaramente, Marielle em sua trajetória comprovou o que disse Angêla Davis: “quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”.

A comoção nacional que se deu pela morte da Marielle e do motorista Anderson dialoga com as condições de vida de milhares de afro-brasileiros. As categorias de gênero e raça são geradoras de desigualdades que nós mulheres negras suportamos sozinhas. Somos 23% da população feminina, totalmente invisibilizadas como sujeitas de direito.

Segundo o Mapa da Violência do ano de 2015, em dez anos o homicídio de mulheres negras aumentou 54%, enquanto o das mulheres brancas caiu 9,8%. Para nós, não é coincidência que não haja nenhuma política pública voltada para minimizar o racismo que nos atinge de forma atroz. Trata-se da mais pura expressão do racismo institucional.

Os tiros que mataram a Marielle queriam calar a voz de uma subalterna ao olhar do opressor. Foram os mesmos assassinos de Dandara, líder quilombola (1695); Cláudia Silva Ferreira (2014), mãe, mulher negra, favelada, arrastada por 350 metros em vias públicas por uma viatura após ter levado um tiro no peito disparado pela polícia quando saiu para comprar comida para seus filhos. Também foram os assassinos de Luana Barbosa dos Reis (2016), espancada publicamente até a morte por policiais; e de Maria Eduarda (2017), menina de 13 anos morta a tiros dentro da escola. Todos estes casos estão sem solução.

No Brasil a impunidade tem cor, sexo e território. Nós mulheres negras estamos sendo mortas, assim como nossos filhos. São 23 mil jovens negros assassinados por ano, segundo o Mapa da violência de 2015.

Luto para nós é verbo! Por que o grito das mulheres negras que denunciam o sistema de opressões, a desigualdade e o racismo não está sendo ouvido? Trago aqui a fala de Elza Soares sobre a morte da Marielle:

“Das poucas vezes que me falta a voz. Chocada. Horrorizada. Toda morte me mata um pouco. Desta forma, me mata mais, negra, lésbica, ativista, defensora dos direitos humanos. Marielle Franco sua voz ecoará em nós. Gritemos!

Hoje, todos sabem que Marielle Franco é um corpo coletivo. Os quatro tiros atingiram todas nós; todas aquelas que denunciam o racismo estrurtural e a violência policial, a homofobia e a transfobia. Somos todas Dandara, Cláudia Ferreira, Maria Eduarda, Marielle. Hoje, ela está na consciência coletiva da população brasileira. Marielle presente!

Queremos mátria, não queremos pátria, como cantou Caetano Veloso. Até que se realize esta utopia, continuaremos em Marcha contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver!

Por Joseanes Santos


Publicado originalmente na revista eletrônica Ser Mulher da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados

Joseanes Lima dos Santos é mestranda em Sustentabilidade junto a Povos e Comunidades Tradicionais/MESTP/UNB e pós graduanda em Psicoterapia Jungiana / Instituto Jungiano de Estudos e Pesquisas. Integra a Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno

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