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Lula o Milagre parte 3
Gérard Wormser

A fantasia de uma democracia plebiscitária antissistema

Uma vez mais, os editorialistas “oficiais” criaram uma armadilha para si. Eles declararam prematuramente que a saída de Bolsonaro retirava o apoio de parte de seus correligionários. Bruno Meyerfeld chegou a citar, nesse sentido, o novo ministro das relações exteriores1O novo ministro das relações exteriores permanece fiel a antigas ilusões. Ele hoje se recusa a fazer a menor das declarações contra Putin, que será certamente convidado para todas as reuniões da cúpula do BRICS. Se ele declara a posição do Brasil contrária à invasão da Ucrânia, “nós não faremos sanções a menos que estas sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU”, essa é uma maneira de se mostrar neutro, embora a Assembleia Geral da ONU já tenha condenado a Rússia duas vezes, o que permite que seus membros ajam. Visto o ativismo das redes sociais russas e a conivência delas com a extrema direita internacional, nós não podemos deixar de nos surpreender com a ingenuidade do novo ministro (Meyerfeld 2023c).. A posse de Lula foi marcada por discursos expondo as prioridades sociais do governo e, ao mesmo tempo, pela investidura de Geraldo Alckmin, antigo governador de São Paulo, eleito vice-presidente da chapa de Lula, promovido a chefe da equipe de transição e atual ministro da Indústria e Comércio. Do passado (recente), façamos tábula rasa, é o que parecia dizer essa celebração eufórica, ao final de dois meses, durante os quais os partidários de Bolsonaro queriam acreditar que ele ainda lhes indicaria o que fazer. Foi prematuro acreditar, como numerosos eleitores de Lula o fizeram, que as chaves do país seriam restituídas a quem de direito? É irritante. Após a votação, temendo talvez alguma agitação, os companheiros de Lula, tornados respeitáveis novamente após as ignomínias de Bolsonaro, mantiveram-se discretos e se abstiveram de qualquer declaração. Os vencedores da eleição esperavam simplesmente que o tempo fizesse seu trabalho.

Ao invadir os centros de poder, os bolsonaristas esperavam expor as pretensões do cerimonial republicano e criar a realidade política que já contestavam de antemão, como coloca Peter Sloterdijk, em Aujourd’hui, il n’y a plus que des guerres de menteurs2Atualmente não há nada além de guerras de mentirosos, em tradução livre. (Sloterdijk em Brunfaut 2022). Ora, nessas condições, pouco importa se o dia 8 de janeiro foi produto de um excesso ou de uma conjuração. No dia seguinte ao golpe, o ministro da justiça comentou com simplicidade sobre o jogo de tolos daquele dia. As autoridades do DF subestimaram gravemente – ou esconderam do governo – aquilo que poderia acontecer na Esplanada dos Ministérios, contentando-se em dizer ao governo que os responsáveis pela manifestação aceitavam permanecer fora da Esplanada. Essa sequência de fatos valida as afirmações de Marcia Tiburi sobre o ridículo político:

De certa forma, a democracia torna-se espectral. Ela desvanece, no momento em que é posta em prática como mecanismo de reprodução do poder (…) É uma cortina de fumaça, as roupas novas do rei que não podem ser consideradas ausentes, precisamente porque não existem, e devem então ser tomadas como uma fantasia coletiva com valor de verdade absoluta. Essa é a dimensão estética do populismo, o consenso de todos ao redor de uma mentira que se confunde com sua dimensão social. (Tiburi 2021)

Meus anos de observação das superestruturas institucionais brasileiras me fizeram entender a forte desconexão dos comentaristas oficiais com o país real. O foco cotidiano dos boletins de informação, nas instituições formais, não fornece ao país nenhuma imagem de toda a sua complexidade. Interrogado no dia seguinte ao dia 8 de janeiro, Jânio de Freitas, jornalista nonagenário, assume que um jornalista pode declarar sua opinião. Tendo trabalhado na ditadura, a precisão da informação sobre os debates parlamentares, com o intuito de informar o país sobre as relações institucionais de força, era acompanhada da metodológica ausência de qualquer tomada de posição. Visto o estado da imprensa digital, Freitas vê a necessidade de não se mascarar diante do argumento da imparcialidade, que é finalmente equivocado (21’ – 23). Fato que não invalida a necessidade de se manter o mais perto possível de suas fontes. Assim, a ação de Flávio Dino foi capital para bloquear o putsch. Simplesmente, nenhum jornalista o seguia nesse dia, tampouco nos seguintes. Longe das decisões e sem uma preparação séria, a imprensa não capturou a tensão entre o governo e as autoridades de Brasília. A imprensa não se mostrou à altura dos desafios democráticos e contentou-se em fazer circular fotos, rumores e comunicados oficiais (Silva Pinto 2023 , 29’). De fato, os jornais passaram uma semana buscando testemunhos … O Metrópoles apresentou, em primeira mão, a confirmação de que o palácio presidencial estava deserto, na tarde daquele domingo, e que os guardas não haviam recebido nenhuma orientação (Amado 2023). As redes sociais publicaram, sem precaução alguma, fotos denunciando os golpistas. A delação fazia parte dos métodos usados pelos procuradores contra o PT – mas tornou-se uma norma social (Meyerfeld 2023a).

Muito frequentados pelos editorialistas, os aeroportos de São Paulo e de Brasília não são locais adequados para medir os ânimos da população. Dominante, a Rede Globo (do poderoso grupo de imprensa da família Marinho) quase nunca dá a palavra aos brasileiros. A voz narrativa das reportagens, as declarações transformadas em citações projetadas e lidas pelos jornalistas e a quase total ausência de informações sobre regiões fora dos grandes centros urbanos produziram uma autointoxicação de longa data nos formadores de opinião, convencidos que essa editorialização da vida pública fala com os brasileiros, embora ela convença apenas a uma pequena camada urbana educada e majoritariamente conservadora. Os grupos de WhatsApp e as lives do Instagram proliferam em meio ao grande público, que assiste redes como a Record, próxima dos valores familiares e evangélicos louvados por Bolsonaro. Essa dimensão estritamente conservadora e moralista alimenta em fluxo contínuo as redes radicais, como assinalou o Washington Post, ao constatar que a supressão dos moderadores do Twitter no Brasil, após a compra da rede por Elon Musk, deixou correr livremente a fraseologia tecno-reacionária dessas redes.

O paradoxo desses acampamentos pode ser engraçado! Seus integrantes atacam candidatos eleitos e exigem uma ação direta, ao passo que bolsonaristas foram massivamente eleitos para as assembleias federais e estaduais! Bandeirolas de espírito revanchista, no mesmo local onde foi erguido, em 2020, um monumento celebrando a união das raças.

O paradoxo desses acampamentos pode ser engraçado! Seus integrantes atacam candidatos eleitos e exigem uma ação direta, ao passo que bolsonaristas foram massivamente eleitos para as assembleias federais e estaduais! Bandeirolas de espírito revanchista, no mesmo local onde foi erguido, em 2020, um monumento celebrando a união das raças.

Na França, Damien Leloup sintetiza o artigo:

Ao contrário do Meta/Facebook, que declarou por intermédio de Andy Stone que “nós seguimos a situação de perto e continuaremos a apagar mensagens que violam nossas regras”, entre os demitidos [do Twitter] em São Paulo, havia oito assalariados que eram especificamente encarregados da luta contra a desinformação e a incitação à violência. A plataforma também restabeleceu as contas de vários militantes bolsonaristas e conspiradores conhecidos, inclusive o perfil do deputado Gustavo Gayer. Uma mudança nada acidental na política: após sua chegada ao controle do Twitter, Elon Musk fez vários acenos à extrema direita brasileira, publicando diversas mensagens sugerindo a ideia de que os funcionários da rede social no Brasil eram de esquerda. Jair Bolsonaro, que encontrou Elon Musk em maio de 2022, saudou a tomada de controle de Musk da rede social. “É o início de uma relação que vai terminar em casamento”, declarou após o encontro (Leloup 2023).

Elizabeth Dwoskin destacou que as convocações para ataques direcionados às instituições, com o intuito de gerar o caos, se multiplicaram em fóruns extremistas e que as referências implícitas ao dia 6 de janeiro de Trump eram numerosas, assim como menções ao “Digam ao povo que fico”, alusão à declaração feita no dia 9 de janeiro pelo imperador D. Pedro I, ao anunciar que não voltaria a Portugal, o que no contexto atual significa o desejo de acampar na Esplanada. Tendo em vista o fiasco da empreitada, bolsonaristas mais raivosos decidiram, de imediato, que ela estará a serviço do Supremo Tribunal Federal e do governo Lula.

“Durante anos, nosso país tem passado por um processo muito forte de radicalização, que leva muitas pessoas a adotarem perspectivas extremistas – especialmente online,” afirmou ela. “Mas nas últimas duas semanas, vi crescer os apelos de pessoas incentivando o extremismo e pedindo ação direta, no sentido de desmantelar a infraestrutura pública. Basicamente, as pessoas estão dizendo que precisamos parar o país e gerar o caos.” (…) O dia 6 de janeiro foi assunto de algumas postagens naquela semana, mas os enunciados apareciam em código, disse Viktor Chagas, professor da Universidade Federal Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, que pesquisa movimentos de extrema-direita online. Além disso, disse Chagas, a patriotada de domingo foi “uma tentativa clara de imitar a invasão do Capitólio dos EUA, funcionando como uma reprodução dos movimentos trumpistas e um sinal simbólico de força e de conexões transnacionais da extrema direita global.” Chagas notou que o dia 9 de janeiro é um importante símbolo nacionalista do Brasil e marca o dia em que o primeiro governante do país, o imperador D. Pedro I, declarou que não voltaria a Portugal, o que ficou popularmente conhecido como “Dia do Fico”. “É como se os bolsonaristas estivessem equiparando Bolsonaro a D. Pedro I, indicando que o governo derrotado nas urnas permaneceria no poder”, disse. Algumas postagens ainda fizeram referência ao “Dia do Fico”, indicando que as demonstrações provavelmente continuariam durante a segunda-feira, acrescentou. A confusão ocorrida no domingo foi um “desastre”, disse Paulo Figueiredo Filho, apresentador do canal de extrema direita Jovem Pan, radicado na Flórida, que teve suas contas nas redes sociais bloqueadas por Moraes. “Foi o sonho molhado de Moraes” (Dworskin 2023)3 No original em inglês:“for years now, our country has been going through a very strong process of radicalizing people to extremist views – principally online,” she said. “But in the last two weeks, I’ve seen ever-growing calls from people incentivizing extremism and calling for direct action to dismantle public infrastructure. Basically, people are saying we need to stop the country in its tracks and generate chaos.” (…) If Jan. 6 is referenced, as it was in a handful of posts this week, the utterances appear in code, said Viktor Chagas, a professor at Fluminense Federal University in Rio de Janeiro state who researches online, far-right movements. Still, Chagas said, Sunday’s riot was “a clear attempt to emulate the invasion of the U.S. Capitol, as a reproduction of Trumpist movements and a symbolic signal of strength and transnational connections from the global far right.” Chagas noted that Jan. 9 is an important nationalist symbol in Brazil, marking the day the country’s first ruler, Emperor Dom Pedro I, declared that he would not return to Portugal, in what is popularly known as “I Will Stay” Day. “It is as if Bolsonarists were equating Bolsonaro with D. Pedro I, and indicating that the former government will remain,” he said. Some posts have also referenced “I will stay day,” indicating that the demonstrations would probably continue through Monday, he added. The mayhem Sunday was “a disaster,” said Paulo Figueiredo Filho, a presenter for the right-wing channel Jovem Pan who lives in Florida and has had his social media accounts canceled by Moraes. “It is Moraes’s wet dream.”

Esse povo quer ser visto

À força de servir a um discurso superficialmente moralizador, a grande imprensa encorajou um espírito de denúncia mimética em seus boletins de informação, um sentimento generalizado de impotência com relação à intriga dos poderosos e a sua impunidade e de desconfiança em relação às instituições, taxadas de proteger crápulas em nome das regras do Estado de direito, enquanto os pobres trabalham sem parar, são esmagados pela criminalidade e só se sentem protegidos em redes de proximidade que, na maioria das vezes, convidam seus membros a uma submissão conformista. Esse terreno é o cimento do bolsonarismo. Em 2015, na época em que a informação jogava ininterruptamente com as emoções, o “povo de esquerda” desapareceu das telas, em favor de slogans anti-Dilma e contra a corrupção do PT. Eles nunca reapareceram. Por sua vez, o movimento precursor do golpe de Estado parlamentar, fomentado pelo antigo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (condenado posteriormente por lavagem de dinheiro), pelo então vice-presidente Temer e pelo movimento Vem pra rua, que sustentava ardentemente o juiz Moro, futuro ministro de Bolsonaro (cujos excessos, tolerados pelo STF em 2016, foram posteriormente censurados por essa mesma instituição), transformou-se em força coativa do bolsonarismo. É necessário um estudo preciso dos militantes antipetistas, durante a última década, para entender os eventos de janeiro de 2023. Ele certamente mostrará que

A hipnose e a produção de êxtase tornaram-se métodos políticos. Não é por acaso que a religião, a economia e a política se aproximam cada vez mais, visto que utilizam métodos similares. A sociedade da “sensação”, descrita por Türcke, é uma sociedade em que o controle dos corpos se exerce no nível da estimulação da percepção, através de uma estratégia de choques de diferentes intensidades. Os choques agem sobre os sentidos e sobre toda a sensibilidade dos indivíduos, cuja capacidade de percepção, em uma vida definida por condições digitais, não pode ser negligenciada (Tiburi 2021).

Enquanto o retorno de Lula tornava-se cada vez mais provável, Temer (principal beneficiário da crise institucional, entre 2016 e 2018) pedia por uma anistia geral, que permitisse ao país escapar da novela de um processo contra Bolsonaro. Será que ele ainda pensa assim? Editorialista reconhecido da Folha de São Paulo, Vinicius Torres de Freitas fala diretamente sobre o assunto. Segundo ele, a intrepidez bolsonarista se igualou apenas à placidez do PT, que simplesmente tolerou as convocatórias a um levante militar, assim como os acampamentos que se seguiram às eleições do dia 30 de outubro. Certamente, é chegado o momento de servir. Mas como fazê-lo? O país, à exceção de alguns símbolos, não se conhece em sua diversidade, refugia-se em convicções feitas e promovidas por grupos de iguais e vê diariamente triunfar, de tela em tela, o egoísmo individualista mais crasso. Em quatro anos, a contrapropaganda nas redes permaneceu sem efeito. Eis então confirmado o temor dos democratas brasileiros: o retorno de Lula ao governo não significa em nada uma reconciliação do país consigo mesmo. O saque da Esplanada pode vir até a endurecer a situação e a contribuir com a estruturação da oposição entre perspectivas completamente opostas: um caminho de divisão democrática contra uma lógica clânica e patriarcal. John Rawls ou Carl Schimitt? Essa será uma divisão insuperável.

Uma iconografia política inspirada proclama o direito à cidade, em Belo Horizonte. As organizações de base têm um papel inestimável no Brasil, ao trazer “coragem e força”, frase inscrita à esquerda da porta de entrada de um imóvel ocupado, no centro da cidade.

Uma iconografia política inspirada proclama o direito à cidade, em Belo Horizonte. As organizações de base têm um papel inestimável no Brasil, ao trazer “coragem e força”, frase inscrita à esquerda da porta de entrada de um imóvel ocupado, no centro da cidade.

A divisão geográfica do eleitorado foi o fator mais importante da eleição presidencial. Bolsonaro progrediu nos bastiões lulistas do Nordeste e fez eleger, por toda parte, um grande número de deputados e governadores. Sem a redução de seu avanço incrível de 2018, no estado de São Paulo, performance difícil de reeditar após quatro anos no poder, Bolsonaro teria sido reeleito: era preciso conquistar o voto de apenas 1% dos eleitores no plano nacional. Derrotado, ele continua sendo, para metade dos eleitores, o “capitão” próximo dos militares e dos empresários. De acordo com a posição sociológica de alguns, ele protegeu o país de uma reforma fiscal, restabeleceu o orçamento e privatizou algumas instituições, limitou o poder ideológico dos intelectuais de esquerda, favoráveis à liberalização dos costumes e corruptores da juventude, transformou uma parte dos impostos sobre as exportações em auxílio a cem milhões de pobres, ajudou a eleger milhares de deputados estaduais ou federais e nomeou funcionários em todos os níveis administrativos, juízes etc. Esse povo não quer desaparecer das telas. Além disso, é preciso estudar o bolsonarismo à luz da questão da visibilidade. Miséria e invisibilidade andam justa. Desta forma, é possível compreender, ao menos superficialmente, o prazer de parte dos brasileiros de se fazer visível, mesmo que limitados a um registro de clichês – do imaginário dos perfis do Instagram e do Facebook à predileção por carrões, por falar alto e por roupas chamativas e muitas vezes “excessivas”.

Os bairros com casas foram substituídos por prédios imponentes. As cidades não condicionam a criação de espaços públicos, as vias são normalmente muito estreitas e degradadas e seria preciso alterar as normas climáticas. Após dez anos de imobilismo, o Brasil deve repensar sua maneira de habitar o mundo.

Os bairros com casas foram substituídos por prédios imponentes. As cidades não condicionam a criação de espaços públicos, as vias são normalmente muito estreitas e degradadas e seria preciso alterar as normas climáticas. Após dez anos de imobilismo, o Brasil deve repensar sua maneira de habitar o mundo.

A adoção bolsonarista do uniforme da equipe nacional de futebol como símbolo de reconhecimento ganhou status de signo interclasses – as imagens do dia 8 de janeiro são um exemplo. Apesar da condenação universal suscitada pelo evento, a conjuração em Brasília assinalou uma certa glória sacrificial: eles são heróis e mártires, eles têm uma causa. Minha conversa com um pequeno empresário não deixa dúvida alguma: ele me dizia, de forma audaciosa, não estar nem um pouco interessado com o retorno de temas internacionais à política brasileira “se for para investir os recursos do país na África ou na Venezuela…”. É inútil replicar que Lula quer reanimar um mercado interno sufocado por uma baixa real dos salários, nenhum bolsonarista acreditaria em mim – sobretudo se ele se sente maioria.

Lula, o milagre, um mandato sob o olhar das grandes empresas

O Brasil escapou do pior, mas os desdobramentos do ataque em Brasília são de uma complexidade rara. Visto de longe, esse levante insurrecional é uma réplica exata do Capitólio, em Washington. Lá, era preciso impedir a declaração do resultado e “enforcar” Mike Pence, vice-presidente incumbido da tarefa. Em Brasília, atacar os edifícios desertos, em um domingo à tarde, deveria suspender a organização do governo Lula, após a proclamação de um estado de urgência pelos militares. Esses acontecimentos não são outra coisa que a aplicação da estratégia de forçar os limites, utilizada por Bolsonaro desde 2016, quando citou elogiosamente o torturador Ustra, no momento de votar o impeachment contra Dilma Roussef, presidente que foi torturada em sua juventude. Depois dessa provocação e de suas declarações absurdas sobre a Covid-19, tendo deixado a política sanitária aos governadores e se reservado o papel de macho corajoso, Bolsonaro posava de Duce, figura cujas transgressões revelam uma predestinação. No dia 30 de dezembro, ele declarou ver em sua eleição um sinal divino, mas nada havia preparado o parlamentar que ele era para esse papel; toda a sua confiança é no Senhor e ele não se arrepende de nada. É possível também que se lembre das lições recebidas durante sua formação militar: ele deve ter estudado as campanhas de Júlio César e ter ouvido falar da punhalada fatal de Brutus. Ao menos ele sobreviveu à facada – fato que recorda com lirismo a seus correligionários! Que ele medite também sobre o fato de que, não muito distante do Capitólio, está a Rocha Tarpeia, ou se lembre de seu falecido mentor, Olavo de Carvalho, cuja estratégia Marcia Tiburi sintetiza, apontando a desorganização preconizada por ele, para desnudar os ídolos democráticos:

A manutenção da hegemonia cultural da extrema-direita, através do culto à ignorância, à enganação e à desinformação, não seria possível sem o simulacro de erudição praticado por Olavo. (…) Basta ver que ele usava a cultura para destruir a cultura, a linguagem para destruir a linguagem, assim como tantos usam hoje a política para destruir a política ». (…) O desejo de ser um intelectual é uma constante entre homens jovens de classe média ou alta, que herdam as veleidades de poder da própria classe. É esse desejo que move os adeptos dos discursos de ódio nas redes: fazer parte de uma classe intelectual pela via do antissistema. Além de um prazer mórbido, o discurso de ódio é um capital cultural e social poderoso. Quem odeia não se sente imbecil (Tiburi 2022).

Operação política especial

Vários analistas notaram que o presidente candidato à reeleição hesitaria em lançar uma operação especial, se estivesse convencido de que venceria de forma leal. Certamente, com exceção do pequeno instituto de sondagem Paraná Pesquisas, que diziam ser financiado por Bolsonaro, os grandes institutos de pesquisa apontavam uma intenção de voto muito menor a seu favor. Seja por conta de uma falha das bases metodológicas de sondagem, ou de preconceitos cognitivos entre os funcionários dos institutos, isso produziu um conjunto de profecias autorrealizáveis, que falsearam o voto. Ou devemos acreditar que inúmeros eleitores tenham realmente mudado de ideia no último momento? Com base nessa frustração, a equipe de Bolsonaro estudou a eventual correção do resultado das eleições (Veleda et Alcantara 2023), mas foi provavelmente dissuadida por conselheiros e militares. Talvez seja esse o motivo do silêncio de Bolsonaro em novembro e do ressentimento de seus partidários, convencidos de que eram vítimas de uma manipulação, desde o final do primeiro turno. No período entre os dois turnos, a presença ativa de bolsonaristas nas ruas não tinha nenhum equivalente do outro lado.

Ao boicotar o ritual de passagem do poder, Bolsonaro mantinha seus últimos partidários mobilizados. Após marcharem em inúmeras cidades, no fim de dezembro, e em Belo Horizonte, no dia 23 de dezembro de 2022, alguns foram convidados a marchar sobre Brasília (vídeo de Pedro Barreto de Oliva).

Paradoxalmente, a incerteza eleitoral protegeu a democracia brasileira: os militares se recusaram a qualquer intervenção aberta, deixando Bolsonaro em sua campanha. Miraculoso nas urnas, ele elegeu vários de seus candidatos nas eleições locais e se apoiou neles para confortar o eleitorado das regiões onde era maioria e apoiar seus partidários nos demais locais. Também tentou se impor em Belo Horizonte e no estado de Minas Gerais, reputado por espelhar o voto do Brasil inteiro. Será que seu relativo fracasso entre os paulistas se deve à contribuição de Alckmin, o fazedor de reis, aliado de Bolsonaro em 2018?

As elites jogaram bem: elas cederam um pouco entre 2003 e 2013, depois confiaram seus interesses a Meirelles e em seguida a Guedes (ministros da economia entre 2016 e 2022). O país está no limite e Lula retornou para protegê-lo de uma explosão, mas sua missão tomou um rumo espetacular. Após a extirpação da esquerda, ainda era preciso impedir que o populismo arruinasse a credibilidade do país. Os ricos estão protegidos de uma possível revolução e os pobres deverão em breve agradecer pelos pequenos sacrifícios que terão que fazer – será que o ministro poderá taxar apenas os imóveis de luxo, nicho fiscal tradicional do país? Já se sabe que o salário mínimo não irá aumentar e que a seriedade fiscal será de rigor – o ministro visa um déficit zero em 2024 (Haddad em Poder360 2023, 52’): não privatizaremos a Petrobras, mas nos ateremos aos lucros que essa empresa pública dará. Geraldo Alckmin é duplamente vencedor: em 2018, contra Haddad, ele colocou Guedes no poder e agora controla o Haddad nomeado ministro, em nome dos industriais e dos empresários. Sua primeira reunião foi com o presidente da Bayer, empresa diretamente ligada à agroindústria.

A aventura bolsonarista se conclui com o suicídio político representado pelo saque da Esplanada. Essa mascarada final expõe a verdade sobre um episódio que envolveu a captura do eleitorado brasileiro por clichês midiáticos e por atalhos ideológicos, levando à dessacralização completa do jogo institucional. Nesse contexto, a partida era quase impossível para Lula, considerando uma política fundada na clivagem explícita entre os que possuem, assimilados aos rentistas, e os que trabalham, vistos como desafiadores. No tempo das telas, essa clivagem desapareceu, em benefício de representações flutuantes: diante das massas inertes e cativas, há influenciadores de toda espécie. A maioria dos brasileiros está presa em situações de vida fixadas e estabelecidas de antemão. Resta-lhes apenas a associação a uma esperança escatológica (oferecida pelas religiões) e os subsídios estatais, auxílios magros que não dizem a que vêm. Nesse jogo, a direita passa a angariar o voto popular, pois não condiciona sua oferta a nenhuma contrapartida: não é preciso trabalhar ou pensar em mudar sua condição – aquilo que os políticos de esquerda têm tendência a propor, seja por convicção, seja para justificar a utilização do dinheiro público ou finalmente porque o socialismo seculariza a promessa messiânica. Será realmente preciso ser convincente para solidificar esse projeto em quatro anos!

As expressões populares brasileiras assumem um patrimônio de grande variedade. Entre a privação de muitos e a ostentação conformista daqueles que vivem “acima do chão”, esse país tem guardado um vasto potencial criativo para acompanhar um melhor reconhecimento de sua diversidade.

As expressões populares brasileiras assumem um patrimônio de grande variedade. Entre a privação de muitos e a ostentação conformista daqueles que vivem “acima do chão”, esse país tem guardado um vasto potencial criativo para acompanhar um melhor reconhecimento de sua diversidade.

Além do voto do povo humilde do Nordeste, tradicionalmente ligado ao PT, devido à memória das lutas de emancipação contra os antigos senhores e coronéis, Lula deve sua eleição às classes médias urbanas. Preocupada com o projeto educacional e com a ascensão social de seus filhos, essa parcela da população deseja se distinguir dos pobres ociosos e dos arrivistas afortunados. A mensagem principal de Lula é para ela. Lula, o milagre, não mostrou a mínima capacidade de inovação: ele mostrou sobretudo seus feitos dos anos 2000, verdadeira era de ouro do Brasil. Seu esquema parlamentar permanece antigo e não está adaptado à realidade política do país, mas coincide ao menos com o modo de representação da imprensa, que fornece uma estrutura previsível para a veiculação de informações, feita por apresentadores inamovíveis. A grande mídia está longe de abraçar as orientações concretas de uma sociedade atormentada por um individualismo divisionista e um provincialismo regionalista, contrário a todo interesse nacional compartilhado. Centradas em uma pedagogia paternalista, elas perderam a mão e abandonaram a hegemonia cultural, em favor das redes digitais de proximidade. As consequências disso são imprevisíveis.

Se as cidades majoritariamente bolsonaristas não aceitarem um governo Lula-Alckmin, que irá transferir o dinheiro do Sul para o Nordeste, o programa apresentado por Lula – desmatamento zero, fome zero, saúde, moradia, transporte e educação para todos – será inaplicável. Mesmo sem utilizar-se oficialmente de Bolsonaro, o Congresso recusará toda reforma fiscal e paralisará o governo. Sem Lula, o milagre, o país encontrará novamente suas divisões.

Que hegemonia cultural?

Retornamos às considerações de Gramsci sobre hegemonia cultural. Sem a reconquista da opinião, a vitória de Lula será fogo de palha. Após aquele período de dez anos, fica claro que reformas sociais, desassociadas de um discurso estruturado e destinado a permitir que a população meça os mecanismos democráticos, são incapazes de assegurar essa hegemonia. Os termos colocados no debate a favor ou contra Bolsonaro não são bons, desde o começo: o léxico antibolsonarista certamente opõe o ódio à inclusão e acusa o campo adversário de ser puro lixo e de suscitar a vergonha nos democratas. Mas não basta desqualificar o adversário. Richard Lapper dizia simplesmente que a extrema direita está engajada em uma maratona, da qual pode sair vitoriosa

De fato, os líderes da extrema direita brasileira com visão mais ampla, como Hamilton Mourão, antigo vice-presidente, e Tarcísio de Freitas, antigo ministro da infraestrutura de Bolsonaro, eleito governador de São Paulo, estão jogando um jogo muito mais longo. Eles estão determinados a se fortalecer com a crescente popularidade do conservadorismo social, na sociedade brasileira, nos anos mais recentes, o que se reflete, por exemplo, no crescimento das igrejas evangélicas protestantes. Nas eleições de outubro, a direita teve ganhos no Congresso, aumentando sua representação, quando comparada a 2018, ano que foi considerado o ápice do avanço conservador até então. Ela vai agora procurar fortalecer seu capital político e não pensará duas vezes, se necessário for, em dispensar o homem que está lambendo suas feridas na Flórida (Lapper 2023)4 No original em inglês: “in fact, the more far-sighted leaders of Brazil’s far-right such as Hamilton Mourão, the former deputy president, and Tarcisio de Freitas, Bolsonaro’s former infrastructure minister and recently elected governor of São Paulo, are pursuing a much longer game. They are determined to build on the increased popularity of social conservatism within Brazilian society in recent years, which is reflected in the growth, for instance, of the evangelical Protestant church. In last October’s election, the right made gains in congress, increasing its representation compared to 2018, a year that had been thought to be a high-water mark of conservative advance. It will now seek to build on this political capital and won’t think twice, if necessary, about dispensing with the man nursing his wounds in Florida”..

Por não terem disputado programa contra programa, os dois campeões se aferraram aos sentimentos coletivos. Insuflar a repulsa pelo outro candidato é a regra do sufrágio universal. Nesse jogo, Lula ganhou regularmente: ele desacreditou sabiamente seu adversário, evitando a armadilha de manchá-lo desnecessariamente. Em sucessivos debates, ele pôde mostrar o vazio do projeto social de Bolsonaro. Quando Lula perguntou sobre seus projetos políticos em saúde, educação e moradia, pontos centrais de seu programa, vimos o presidente vituperar incessantemente contra um PT corrupto, interessado apenas em financiar os desacreditados regimes de Caracas e de Havana … Ao responder às acusações pessoais de Bolsonaro contra si (acusado de ser um ladrão que arruinou as contas públicas), Lula fala em acabar com o desmatamento e coloca no centro de suas falas a dignidade das mulheres, a formação da juventude para um futuro melhor e a indispensável restauração das instituições democráticas. Os enraivecidos bolsonaristas não se enganaram ao investir contra as instituições centrais de Brasília! O fato de haver entre eles inúmeros funcionários dessas mesmas instituições confirma a noção bolsonarista de que elas são espólios de guerra, cujo saque deveria assegurar-lhes a impunidade. Hoje, é responsabilidade de Lula expor claramente as feridas de onde saíram esses espectros fascistoides: ignorância, submissão, desigualdade e resignação – isso é essencial – e cauterizá-las: educar, sancionar, investir, promover. Esse é o programa de uma geração.

A geração Lula saiu da pobreza sem entretanto se tornar rica. A espera por uma boa educação e uma abertura mais pronunciada para o mundo é imensa e será o impulso de solidariedade necessário para a construção de um futuro compartilhado.

A geração Lula saiu da pobreza sem entretanto se tornar rica. A espera por uma boa educação e uma abertura mais pronunciada para o mundo é imensa e será o impulso de solidariedade necessário para a construção de um futuro compartilhado.

A ficção do político permanecerá, portanto, senhora do teatro brasileiro. Até o último dia, a transição ofereceu um espetáculo de tratativas entre partidos, dando origem a um governo dividido entre a “ala social” e a “ala empresarial”, dirigida pelo vice-presidente Alckmin. Para compreender o sentido dessas negociações, podemos retomar o discurso pronunciado por Lula, na noite do primeiro turno, que soou como uma tempestade para os ouvidos daqueles que já sonhavam com a obtenção de 50% dos votos indispensáveis. De maneira surpreendente, esse discurso tornou-se impossível de encontrar nas redes eletrônicas e terei que me contentar com minhas anotações e a transcrição parcial da transmissão ao vivo: após os agradecimentos habituais e algumas passagens bem-humoradas, destinadas a mascarar a decepção generalizada por não ter sido eleito no primeiro turno — é verdade que Lula ganhou menos de 5% de votos entre os dois turnos — Lula agradece a Deus por sua carreira e declara e ter enfrentado a máquina do Estado, não um candidato. Ele afirma que o povo decidiu por uma coalizão pela democracia, o respeito por todos, a fraternidade entre todos nós. Ele expressa sua gratidão ao povo brasileiro que deixou a fome de lado e foi votar. Esse povo espera prosperidade e justiça, políticas de qualidade e cultura. A democracia, diz Lula, é sensível ao cotidiano, ela é concreta. É preciso construí-la dia após dia.

Sobre a economia, Lula declara seu apoio aos pequenos empreendedores. Ele irá se engajar em lutas contra a violência e pela igualdade das mulheres, contra o racismo e a discriminação. O Brasil é o país de todos, lembra Lula. Um só país, uma grande nação. Contra o ódio. Ninguém deseja morar em um país em guerra — nós estamos cansados de briga — abaixo às armas. Viva a vida.

Tudo precisa ser refeito, clama Lula. “Nós devemos construir uma república que pratique verdadeiramente as virtudes cristãs… Nós devemos acabar novamente com a fome, esse é meu primeiro compromisso. Moradia e inclusão social vêm logo depois. Chega de desigualdades sórdidas. Nós devemos retomar o diálogo dentro da harmonia entre os poderes. E com respeito à Constituição”, diz ele. Além disso, ele organizará conferências nacionais para formular suas políticas!

Lula insiste que o mundo sente falta de um Brasil que contribua com o desenvolvimento do planeta e que seu governo deve restabelecer a previsibilidade e a estabilidade. Ele se diz contra os vetos dos membros permanentes do Conselho de Segurança e favorável à criação de um quadro internacional para a Amazônia — respeitando a soberania — para alcançar uma pacificação ambiental.

“Não nos interessamos”, diz ele, “por polêmicas estéreis e aderimos às propostas do Papa Francisco: ‘que a esperança seja mais forte que o medo’. Vamos praticar o amor ao próximo. Paz, amor e esperança, unidos pelo Brasil”. Ele conclui: “Vamos aproveitar nossa oportunidade! E com Alckmin! Contem comigo: o que envelhece é a ausência de projeto!”

Por Gérard Wormser

Traduzido do francês por Luiz Capelo

Bibliografia

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Wormser, Gérard. 2022. « Territoires du capitalisme numérique ». http://www.sens-public.org/articles/1629/.


    Notas

    • 1
      O novo ministro das relações exteriores permanece fiel a antigas ilusões. Ele hoje se recusa a fazer a menor das declarações contra Putin, que será certamente convidado para todas as reuniões da cúpula do BRICS. Se ele declara a posição do Brasil contrária à invasão da Ucrânia, “nós não faremos sanções a menos que estas sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU”, essa é uma maneira de se mostrar neutro, embora a Assembleia Geral da ONU já tenha condenado a Rússia duas vezes, o que permite que seus membros ajam. Visto o ativismo das redes sociais russas e a conivência delas com a extrema direita internacional, nós não podemos deixar de nos surpreender com a ingenuidade do novo ministro (Meyerfeld 2023c).
    • 2
      Atualmente não há nada além de guerras de mentirosos, em tradução livre.
    • 3
      No original em inglês:“for years now, our country has been going through a very strong process of radicalizing people to extremist views – principally online,” she said. “But in the last two weeks, I’ve seen ever-growing calls from people incentivizing extremism and calling for direct action to dismantle public infrastructure. Basically, people are saying we need to stop the country in its tracks and generate chaos.” (…) If Jan. 6 is referenced, as it was in a handful of posts this week, the utterances appear in code, said Viktor Chagas, a professor at Fluminense Federal University in Rio de Janeiro state who researches online, far-right movements. Still, Chagas said, Sunday’s riot was “a clear attempt to emulate the invasion of the U.S. Capitol, as a reproduction of Trumpist movements and a symbolic signal of strength and transnational connections from the global far right.” Chagas noted that Jan. 9 is an important nationalist symbol in Brazil, marking the day the country’s first ruler, Emperor Dom Pedro I, declared that he would not return to Portugal, in what is popularly known as “I Will Stay” Day. “It is as if Bolsonarists were equating Bolsonaro with D. Pedro I, and indicating that the former government will remain,” he said. Some posts have also referenced “I will stay day,” indicating that the demonstrations would probably continue through Monday, he added. The mayhem Sunday was “a disaster,” said Paulo Figueiredo Filho, a presenter for the right-wing channel Jovem Pan who lives in Florida and has had his social media accounts canceled by Moraes. “It is Moraes’s wet dream.”
    • 4
      No original em inglês: “in fact, the more far-sighted leaders of Brazil’s far-right such as Hamilton Mourão, the former deputy president, and Tarcisio de Freitas, Bolsonaro’s former infrastructure minister and recently elected governor of São Paulo, are pursuing a much longer game. They are determined to build on the increased popularity of social conservatism within Brazilian society in recent years, which is reflected in the growth, for instance, of the evangelical Protestant church. In last October’s election, the right made gains in congress, increasing its representation compared to 2018, a year that had been thought to be a high-water mark of conservative advance. It will now seek to build on this political capital and won’t think twice, if necessary, about dispensing with the man nursing his wounds in Florida”.

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