Foto: Tom Costa/MJSP
Introdução
O Brasil possui atualmente mais de 305 povos indígenas, 274 línguas e mais o registro de 114 povos isolados e de recente contato. Segundo o último censo demográfico, realizado em 2010, 896 mil pessoas se declararam ou se consideraram indígenas no Brasil, sendo que 572 mil (63,8%) residem em áreas rurais. Desse total, 517 mil (57,7%) residiam em Terras Indígenas (TIs) oficialmente reconhecidas. Isso demonstra a expressiva diversidade étnica do Brasil, e nos possibilita entender a guinada constitucional do texto de 1988, ao reconhecer a estes povos sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas (art. 231, CF/88). Inaugurou-se uma ordem jurídica consubstanciada num Estado pluriétnico[mfn]Sobre Estado pluriétnico, a subprocuradora-geral da república Déborah Duprat aponta que “a Constituição de 1988 representa uma clivagem em relação a todo o sistema constitucional pretérito, uma vez que reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico, e não mais pautado em pretendidas homogeneidades, garantidas ora por uma perspectiva de assimilação, mediante a qual sub-repticiamente se instalam entre os diferentes grupos étnicos novos gostos e hábitos, corrompendo-os e levando-os a renegarem a si próprios ao eliminar o específico de sua identidade, ora submetendo-os forçadamente à invisibilidade. Idêntica mudança de paradigma pode ser observada no direito internacional: a Convenção 107 da OIT, de 5 de junho de 1957, afirmava já no preâmbulo o propósito de integrar as populações indígenas à comunidade nacional. A Convenção 169, de 7 de junho de 1989, tendo por pressuposta a evolução do direito internacional, passou a reconhecer as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas entidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram” (Duprat 2002).[/mfn], rompendo com o paradigma tutelar que operava sobre os povos originários e com uma política indigenista pautada em ações que visavam a assimilação dos povos indígenas.
Avanços significativos no campo legal foram reconhecidos aos povos indígenas e às comunidades tradicionais desde a promulgação da Constituição Cidadã até as normas infraconstitucionais implementadas nos últimos anos no contexto de governos de caráter relativamente mais progressista. O campo político atual no Brasil é muito desfavorável aos povos indígenas, tendo em vista que, nas eleições de 2018, foi eleito para o cargo de presidente Jair Bolsonaro, o primeiro presidente eleito pós-período de redemocratização declaradamente contrário aos direitos dos povos indígenas.
Desde então, a execução e a implementação da política indigenista brasileira passou a ser pensada e normatizada a partir da lógica do patronato ruralista na sua perspectiva mais retrógada de todos os tempos. Como bem aponta o documento final do Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril de 2020, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB):
Bolsonaro, logo que assumiu o governo, editou a medida provisória 870/19, na qual determinava o desmembramento da Fundação Nacional do Índio — FUNAI e suas atribuições, repassando a parte de licenciamento ambiental e de demarcação de terras indígenas ao Ministério de Agricultura, comandado pela bancada ruralista, inimiga de nossos povos, na pessoa da ministra, e fazendeira, Teresa Cristina, a “musa do veneno”. (APIB 2020a)
Além de voltar suas ações para os territórios indígenas, como inviabilizar as demarcações de terras indígenas e propor a legalização da mineração nesses territórios, o governo atual tem aparelhado o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro — FUNAI — aos interesses do agronegócio, nomeando pessoas ligadas à bancada ruralista e aos militares para cargos estratégicos dentro do órgão.
A partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação de pandemia da Covid – 19, as organizações e as comunidades indígenas sabiam que a situação se agravaria sobremaneira, tendo em vista as violações que já estavam em curso, mas, sobretudo, como isso abre caminho para outras violações que colocam em risco a atenção à saúde e à vida dos povos indígenas. O cenário de caos se desenhou a partir da posição de um governo marcado pela irracionalidade e a descrença na ciência, que priorizou políticas emergenciais voltadas para o mercado econômico e não para pessoas, especialmente aquelas pertencentes a grupos vulneráveis. Diante disso, o movimento indígena mais uma vez se reinventou e buscou articulações junto à sociedade civil no campo nacional e internacional, e também com agências institucionais do direito público interno com capacidade de incidir, sem necessariamente estarem atreladas ao campo governamental.
Neste sentido, o trabalho que se apresenta tem por objetivo descrever, dentro das limitações de um artigo, a situação dos povos indígenas do Brasil no contexto da pandemia da Covid-19, valendo – se de dois movimentos teórico-metodológicos. O primeiro é olhar para as ações do movimento indígena brasileiro adotadas logo após o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) da pandemia do novo coronavírus, principalmente as estratégias empreendidas pelas comunidades e as organizações indígenas diante da omissão do Estado em apresentar planos e executar ações direcionadas especificamente para os povos indígenas, aumentando a vulnerabilidade e o risco de contágio pelo coronavírus. O outro olhar está centrado no Estado e em sua incapacidade de lidar com a realidade indígena brasileira, fato extremamente agudizado pelo sentido negacionista que adota na consideração sobre a pandemia. Ainda que reduzido o espectro, pretende – se com este trabalho formar um importante registro e, portanto, oferecer um panorama da situação e como os fatos se desenrolaram; o mesmo oportuniza trazer à baila reflexões sobre os desafios dos povos indígenas num contexto além da pandemia, ou seja, tal situação requer necessariamente trazer à discussão as demandas históricas dos povos e sua resistência, as quais perpassam necessariamente por uma análise do relacionamento do Estado com os povos originários, da urgente e necessária conclusão da demarcação das terras indígenas e do respeito à cosmovisão indígenas sobre seus territórios. Neste sentido, a visão indígena de respeito à mãe terra e a suas riquezas naturais vem à tona para entender as origens dos surtos epidemiológicos e o quanto é vital a preservação da natureza para os povos indígenas, mas também para a própria manutenção da vida humana no planeta. Este é um recado político que o movimento indígena e suas lideranças têm repassado há muitos anos e que não foi discutido com a seriedade necessária pelos países. Os territórios tradicionais tão vitais para os povos indígenas cumprem um papel no equilíbrio da vida humana, e o capital que oprime estes povos agora obriga a todos a refletir sobre o bem viver e as consequências climáticas da destruição da biodiversidade num contexto mundial.
Foto: Marcio James
Violações sociopolíticas contra os povos indígenas
Nos últimos meses, temos acompanhado com preocupação o avanço da pandemia sobre as comunidades indígenas. Segundo dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena[mfn]O Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena foi criado pela APIB ao final da Assembleia Nacional da Resistência Indígena, realizado entre os dias 08 e 09 de maio de 2020. O grupo reúne ativistas e comunicadores indígenas que coletam diariamente dados das organizações locais e comunidades indígenas sobre o avanço da pandemia nas terras indígenas e indígenas que estão fora de seus territórios.[/mfn] da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), até o dia 10 de setembro de 2020, o país registrava 792 indígenas falecidos, 30.879 infectados e 158 povos atingidos pelo vírus. Os estados com maior número de casos de mortes são Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima, Mato Grosso do Sul e Maranhão. Nota-se que o vírus se alastrou de forma rápida entre os indígenas. Com base nos dados da APIB, denota-se que o índice de letalidade entre os povos indígenas é de 9,6%, enquanto que entre a população brasileira geral é de 5,6% (APIB 2020d).
A pandemia expôs as fragilidades que as equipes de atenção primária à saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS) e, mais intensamente, as do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS) enfrentam cotidianamente há anos, como: falta de infraestrutura adequada; insuficiência de equipamentos de proteção individual (EPI); reduzido estoque de insumos e medicamentos; alta rotatividade de profissionais; dificuldades de garantir formação adequada e implementar educação permanente com as equipes; problemas de integração com a rede de saúde; e a situação de precariedade e insalubridade das Casas de Saúde do Índio (CASAI).
É preciso apontar para o racismo estrutural que existe contra os povos indígenas no Brasil. Desde o período colonial os povos indígenas estão sendo violados em seus direitos. Ainda no Brasil Colônia, duvidava-se se os indígenas eram seres humanos, precisou uma bula papal em 1532, reconhecendo que os indígenas tinham almas e, portanto, eram passíveis de evangelização, para poderem ser considerados seres humanos. Depois, instituiu-se a “tutela legal” por meio de vários expedientes legislativos, colocando os indígenas na situação de “tutelados” e “incapazes para a prática dos atos jurídicos”. Essa tutela legal perdurou mais de quatro séculos, e, nesta condição, os povos indígenas não tinham a autonomia de falar por si próprios, tampouco de reivindicar seus direitos. Foi somente com a Constituição Federal de 1988, que “indígenas, comunidades e organizações” tiveram reconhecidos o direito de autonomia e de se fazer representar perante o Estado brasileiro para defenderem seus direitos e interesses.
Durante todo esse período de tutela legal, os povos indígenas foram submetidos a políticas extermínio e apossamento de seus territórios e à exploração das riquezas naturais presentes nestes espaços. Sob o argumento de serem “subumanos”, justificou-se a implantação do projeto colonial baseado no genocídio; em seguida, mesmo se reconhecendo a humanidade, foi-lhes negada a condição de sujeito de direito, justificando uma gama de ações tutelares visando a assimilação dos povos e a apropriação de seus territórios originários.
No contexto atual, este discurso tem sido muito forte. No dia 23 de janeiro de 2020, por meio de transmissão em rede social, o presidente Jair Bolsonaro, ao falar sobre as atribuições do Conselho da Amazônia, que será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, disse que “o índio está evoluindo” e “cada vez mais é um ser humano igual a nós” . Esta fala do presidente Jair Bolsonaro é resquício do pensamento colonial presente no imaginário de muitos brasileiros. Durante muito tempo, a ideia de superioridade racial e a prática tutelar que colocaram os indígenas na posição de “incapazes juridicamente” marcaram a relação do Estado brasileiro com os povos originários. Se, no passado, questionava-se se os indígenas eram seres humanos ou se eram detentores de almas, tais afirmativas foram superadas pelo estabelecimento do Estado Democrático de Direito, que reconheceu os povos indígenas como sujeitos de direitos, garantindo-lhes a proteção dos seus territórios originários. Este discurso retrógado de que os povos indígenas precisam “evoluir” são manifestações que tendem a legitimar violações no modo de vida dos povos indígenas. Foi assim no passado, quando a espoliação dos territórios, a escravidão indígena e o manejo de ações estatais que violaram direitos fundamentais dos povos foram justificados por ideários positivistas baseados no argumento de uma suposta superioridade da comunhão nacional, em que os indígenas deveriam sofrer todo tipo de “ação tutelar” visando um suposto progresso.
É com base neste mesmo argumento que atualmente se justifica o projeto de lei n. 191/2020 que tem por objetivo estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas; além disso, o PL 191/2020 institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. No mesmo sentido, é com base neste argumento que o governo está negando atendimento aos indígenas que estão fora de áreas ainda não reconhecidas formalmente pelo governo (não homologadas).
O fundamento mais profundo parece ser a negação dos direitos indígenas, sobretudo os direitos à terra e à preservação do habitat próprio de cada terra indígena e do modo de vida tradicional. É interessante notar que tanto no entender de diversas autoridades quanto no entendimento de ladrões de madeira e de outros recursos naturais, as ideias são as mesmas: indígenas não prestam, são indolentes e malandros e querem criar Estados independentes. Fruto de preconceitos arcaicos, o racismo está ancorado na falta de respeito e na ignorância sobre a diversidade cultural brasileira e sobre a possibilidade de haver modos de vida baseados em sólidos conhecimentos que priorizam o Bem Viver de todos.
Atualmente podemos apontar algumas das violências sociopolíticas contra os povos indígenas no Brasil.
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Falta de demarcação das Terras Indígenas: o quadro geral de Terras Indígenas, segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostra que pelo menos 821 Terras Indígenas aguardam alguma providência do governo brasileiro, em suas diferentes instâncias, correspondendo a 63% das 1.290 terras indígenas. Omissão e morosidade na regularização de terras são os aspectos que marcam os procedimentos demarcatórios. Podemos citar ainda as ações judiciais que tentam impor limites aos direitos e as iniciativas legislativas que tumultuam a política indigenista e acabam servindo como uma espécie de freio ao alcance dos direitos constitucionais.
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Invasão das Terras Indígenas: conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) o desmatamento na Amazônia Legal em 2019 aumentou 30% em relação a 2018 – nos estados Roraima, Acre, Amazonas e Pará. As treze Terras Indígenas mais desmatadas foram: Terra Indígena Ituna/Itatá, Terra Indígena Apyterewa, Terra Indígena Cachoeira, Terra Indígena Trincheira Bacajá, Terra Indígena Kayapó, Terra Indígena Munduruku; Terra Indígena Karipuna, Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, Terra Indígena Manoki, Terra Indígena Yanomami, Terra Indígena Menkü, Terra Indígena Zoró e Terra Indígena Sete de Setembro. E ainda, o governo Bolsonaro está facilitando a legalização da ocupação ilegal das áreas indígenas. No dia 22 de abril de 2020, a FUNAI publicou a Instrução Normativa n. 9. Nela, a FUNAI passa a considerar passível de emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites (documento que atesta que a propriedade não incide em Terra Indígena) toda posse (sem escritura) ou propriedade que não incida apenas sobre Terra Indígena Homologada; Reserva Indígena; Terras Indígenas Dominiais. Ou seja, libera para compra, venda e ocupação todas as Terras Indígenas em estudo, as Terras Indígenas delimitadas pela FUNAI, as Terras Indígenas declaradas pelo Ministério da Justiça, além das áreas sob portarias de restrição de uso.
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Projetos de grandes empreendimentos: no Brasil, as Terras Indígenas ocupam 13% do território nacional. Desse montante, 98% das Terras Indígenas do país ficam na Amazônia Legal e 34% dessas terras têm interesses relacionados à mineração. Ao todo, existem 4.777 processos incidentes em territórios indígenas na Amazônia Legal. Só no Pará registraram-se 2.357 títulos minerários concedidos pelo poder público, abrangendo desde autorizações de pesquisa a concessões de lavra. Alguns territórios, como as Terras Indígenas Sawré Muybu, Xikrin do Rio Caeté, Kayapó e Arara, têm sua área praticamente coberta por interesses minerários. O território indígena mais afetado é o dos Yanomami, onde algumas aldeias já contam com cerca de 92% das pessoas contaminadas por mercúrio, usado na mineração de ouro. Ademais, cerca de 56 TIs têm mais de 60% de sua área requerida por processos. Em áreas indígenas menores, esses processos ocupam facilmente mais de dois terços de seus territórios e 8 Terras indígenas terão mais de 90% de sua área comprometida. Além da mineração, outra ameaça são os projetos de hidrelétricas nas Terras Indígenas, que estão sendo implementados sem consulta e consentimento prévio, livre e informado, conforme dispõe a Convenção n. 169 da OIT. No que tange aos projetos de grandes empreendimentos, cabe consignar a situação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da região do rio Teles Pires inferior a 1000 km de distância. Há um ano esses empreendimentos estão em operação conjunta sobre o rio Teles Pires[mfn]O rio Teles Pires, também chamado de São Manoel, nasce no cerrado, segue até o norte do Mato Grosso e faz a divisa deste estado com o Pará até encontrar o rio Juruena quando juntos formam o rio Tapajós, na Amazônia. Vide mapa.[/mfn] , pois este vêm sendo violados nos últimos 15 anos por um complexo de quatro empreendimentos hidrelétricos planejados e implantados irregularmente no rio com licença e autorização do Estado brasileiro. O trecho afetado pelo complexo de barragens situa-se entre o médio e o baixo rio Teles Pires, onde existe um corredor de áreas protegidas integrantes do Mosaico Meridional da Amazônia nas quais habitam comunidades tradicionais, sobretudo de ribeirinhos e pescadores[mfn]Além desses povos e comunidades, existem na mesma bacia hidrográfica outros povos indígenas e comunidades tradicionais, localizados no rio Tapajós, bacia principal, da qual o rio Teles Pires é afluente.[/mfn] e 4 povos indígenas – os Kayabi, os Munduruku, os Apiaká e os indígenas em isolamento voluntário. Esses povos habitam as terras indígenas: Kayabi, Mundurukânia e Apiaká do Pontal e Isolados, localizadas nos municípios de Jacareacanga/Pará e de Apiacás/Mato Grosso. Desde 2014, o Povo Munduruku é o único desses povos e comunidades que possui Protocolo de CCPLI. O rio Teles Pires e suas áreas protegidas vêm sendo completamente destruídos e seus povos indígenas, comunidades tradicionais e seus territórios vêm sendo violentamente atingidos pelo Complexo Hidrelétrico Teles Pires, cujo planejamento prevê a instalação de 6 grandes hidrelétricas no rio.[mfn]O Complexo foi planejado para a implantação de seis usinas hidrelétricas no rio Teles Pires e seus afluentes – Sinop, Colíder, Teles Pires, São Manoel, Foz de Apiacás e Magessi. As quatro primeiras já estão em Operação e as duas últimas estão inventariadas e planejadas para serem licenciadas, também sem qualquer Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais afetados. Cientistas alertam para inviabilidade dessas duas últimas instalações.[/mfn] Na última década, já foram instalados 4 dos empreendimentos, todos em um trecho do rio Teles Pires, produzindo impactos cumulativos e sinérgicos sobre povos e comunidades, suas terras e territórios, seus costumes, crenças e tradições, suas águas, fauna, flora, patrimônio cultural, arqueológico e paisagens naturais e vidas. Desde o planejamento do Complexo Hidrelétrico até hoje os empreendedores, seus financiadores e os órgãos governamentais licenciadores nunca consultaram os povos e as comunidades e seguem violando o direito à CCPLI dos povos indígenas e comunidades tradicionais do rio Teles Pires em cada medida legislativa e administrativa suscetível de afetá-los.[mfn]Cf. Manifesto Kayabi, Apiaká e Munduruku contra os Aproveitamentos Hidrelétricos no Rio Teles Pires e o documentário “O Complexo”, disponível no Youtube.[/mfn] Até hoje, essas populações afirmam que o Estado brasileiro e seus órgãos licenciadores desrespeitam seus direitos de informação, participação, consulta e decisão sobre os documentos e as atividades de estudo e planejamento
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A tese jurídica do marco temporal no Judiciário: o marco temporal é uma intepretação jurídica que alguns juízes estão aplicando nos casos no Brasil. Segundo esta tese, os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. É uma interpretação restritiva ao direito originário dos povos. Com base nesta interpretação, muitos juízes têm decidido mandando despejar comunidades indígenas e anulando processos de reconhecimento territórios, especialmente no Mato Grosso do Sul, na Bahia, no Paraná e no Rio Grande do Sul. É uma interpretação extremamente prejudicial aos povos indígenas.
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Propostas legislativas no parlamento brasileiro: no âmbito do Legislativo brasileiro, há várias propostas de lei que visam retirar os direitos dos povos indígenas. As principais são a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 que visa transferir a competência para demarcar Terras indígena para o Congresso Nacional; o Projeto de Lei (PL) 490 que visa instituir o marco temporal como requisito para se reconhecer a Terra indígena; e o Projeto de Lei (PL) 191 que visa legalizar a exploração mineração nas Terras indígenas.
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Encarceramento e criminalização de lideres indígenas: este é um aspecto muito grave da realidade dos povos indígenas do Brasil. Temos um número significado de líderes indígenas que estão sendo perseguidos por lutarem por seus direitos. Esta perseguição se dá por meio de inquéritos policiais, ações criminais e comissões parlamentares de inquéritos (CPI). Os estados que registram maior número de indígenas criminalizados são Mato Grosso do Sul e Bahia, justamente onde estão concentrados os conflitos fundiários. Além do processo de criminalização, temos também um número considerável de indígenas que estão encarcerados. Neste contexto, seus direitos e suas garantias fundamentais são violados, como direito a intérprete nos procedimentos legais, regime especial de cumprimento de pena e laudo antropológico. Os estados que concentram maior número de indígenas presos são Mato Grosso do Sul, Amazonas, Acre, Roraima, Bahia e Rio Grande do Sul. Referindo-se ao sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação n. 62/2020, em 17 de março de 2020, ainda no início da disseminação pandêmica no Brasil. Este texto trata de segmentos populacionais que seriam mais vulneráveis à Covid-19. Dentre as recomendações para os povos indígenas, estão: i) a adoção de medidas socioeducativas em meios abertos para adolescentes infratores, em fase de conhecimento ou execução das mesmas; ii) reavaliação das prisões provisórias; iii) saída antecipada dos regimes fechados e semiaberto, nos termos da Súmula Vinculante do STF n. 56; iv) informar à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), ao Ministério Público Federal (MPF) e à comunidade interessada sobre adoção de medidas que afetem diretamente pessoas indígenas privadas de liberdade, em acordo com a Resolução CNJ n. 287/2019 (Conselho Nacional de Justiça 2019). As recomendações do CNJ não possuem força normativa vinculante que obrigue a magistratura a cumpri-las.
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Assassinatos de indígenas: o Relatório de Violência do Cimi (2019) registrou 50 vítimas de assassinato em 2018. Estas ocorrências foram registradas nos estados do Acre (3), Alagoas (1), Amazonas (4), Bahia (3), Maranhão (1), Mato Grosso (2), Mato Grosso do Sul (13), Minas Gerais (1), Pará (3), Paraná (3), Rio Grande do Sul (1), Roraima (5), Santa Catarina (6) e Tocantins (4). Seis vítimas eram do sexo feminino e entre as vítimas do sexo masculino houve um menino de 9 anos. As idades dos homens variaram entre 15 e 61 anos, em grupos que indicam 18 vítimas entre 15 e 29 anos, outras 16 entre 34 e 45 anos e 7 vítimas entre 48 e 61 anos. Estes dados indicam que os jovens são especialmente atingidos por essas ocorrências violentas. Se considerarmos que o grupo etário entre 19 e 45 anos são os adultos, somando 32 óbitos, poderá haver um certo prejuízo na composição da força de trabalho para algumas comunidades. Dentre os motivos das agressões há um feminicídio declarado, em que o marido confessou que matou a mulher a pauladas por ciúme, e outro em que o marido matou a esposa a golpes de facão, na frente da filha de dois anos. Houve o registro de nove casos de brigas, com ou sem álcool e drogas, roubo e delírio. A maior parte dos assassinatos apresenta motivos ignorados e desconhecidos. Uma grande parte foi cometida com armas brancas, paus, pedras e espancamentos. Nove foram cometidos por armas de fogo, envolvendo policiais ou pessoas desconhecidas e vitimando algumas lideranças indígenas.
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Direito a consulta e consentimento: no âmbito da institucionalidade brasileira, os principais mecanismos de participação dos povos indígenas foram extintos. O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e o Fórum de Presidente dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCONDISI) foram desativados. E, especialmente neste contexto de pandemia, as orientações no plano da saúde indígenas estão sendo elaboradas sem ouvir o controle social de saúde indígena, formado por lideranças indígenas eleitas pelas comunidades. O direito a consulta e consentimento tem sido utilizado de forma reversa pelo governo brasileiro. Uma nota técnica enviada pela ministra Damares Alves ao presidente Jair Bolsonaro, assinada em 6 de julho por Esequiel Roque, secretário adjunto da Igualdade Racial, solicitou que o presidente Jair Bolsonaro retirasse da lei de proteção aos indígenas a obrigação de União, estados e municípios fornecerem itens como água potável; materiais de limpeza, higiene e desinfecção; leitos de UTI; ventiladores pulmonares; e materiais informativos sobre a Covid-19. Segundo o apurado, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pediu que Jair Bolsonaro rejeitasse oferecer leitos de UTI e produtos de limpeza a indígenas porque os povos não haviam sido “diretamente consultados pelo Congresso Nacional“.
Foto: Ricardo Oliveira
As respostas do movimento indígena brasileiro
Este artigo pretende destacar a característica autônoma e a soberania dos povos indígenas existentes no país que merecem e devem ser respeitadas como ponto de partida. O movimento indígena brasileiro está estruturado em comunidades e organizações locais, regionais e nacional, tendo como instância máxima de aglutinação a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A APIB é a organização que representa nacionalmente os povos indígenas e é formada pelas organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL); Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPIN-SUDESTE); Conselho do Povo Terena; Aty Guasu Guarani Kaiowá e Comissão Guarani Yvy Rupa. Segundo seu regimento interno disposto em seu site, a APIB foi criada no Acampamento Terra Livre (ATL) de 2005, a mobilização nacional que, desde 2004, é realizada todo ano para tornar visível a situação dos direitos indígenas e reivindicar do Estado brasileiro o atendimento das demandas e das reivindicações dos povos indígenas. Segundo seu regimento interno, a APIB tem por missão a “promoção e defesa dos direitos indígenas, a partir da articulação e união entre os povos e organizações indígenas das distintas regiões do país”.
Desde o primeiro momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação de pandemia da Covid-19, a coordenação executiva da APIB refletiu sobre as medidas de prevenção e segurança dos povos e comunidades indígenas. A primeira deliberação foi suspender a realização do Acampamento Terra Livre 2020 (ATL/2020). Esta grande assembleia que acontece todos os anos, no mês de abril em Brasília, e reúne caciques e lideranças de diversos povos de diferentes regiões do país constitui-se no principal ato da mobilização indígena. Entretanto, ciente da gravidade da situação, as lideranças indígenas não hesitaram em acatar as recomendações das autoridades sanitárias e suspenderam a realização do encontro no formato presencial.
Por outro lado, as lideranças não deixaram passar em branco o Abril Indígena e organizaram o primeiro ATL on line, com mesas e discussões que ocorreram entre os dias 27 a 30 de abril. No âmbito do ATL on line, as mesas foram organizadas com vista a contemplar as várias lideranças indígenas que se esforçaram para se conectar nas lives abertas nas redes da APIB. Neste sentido, ocorreram falas da coordenação da APIB sobre o Acampamento Terra Livre e diálogos referentes à gestão dos territórios e à retirada de direitos e a pandemia; foram feitas análises de vulnerabilidade, impactos e enfrentamentos à Covid-19 no contexto das comunidades indígenas; a juventude indígena participou falando das estratégias de comunicação; foram montados também os painéis jurídicos abordando a questão do marco temporal e a proteção dos direitos humanos no plano internacional; além de análises voltadas para situação dos povos indígenas em situação de isolamento voluntário e contato inicial no contexto do novo coronavírus, focando especialmente a vulnerabilidade epidemológica e territorial.
Seguindo a agenda de mobilização e diante do crescente de número de casos de Covid-19 entre os indígenas, a APIB organizou a Assembleia Nacional da Resistência Indígena, com o objetivo de reunir lideranças indígenas e pesquisadores das mais diversas áreas, e juntos elaborar o plano de enfrentamento à pandemia. Na carta de chamada, a APIB pontuou:
A atuação das instituições públicas não é apenas ineficiente como irresponsável, pois houveram casos de contaminação causados por pessoas à serviço da Sesai nos territórios. Em paralelo à pandemia, os povos indígenas continuam enfrentando dentro dos seus territórios ataques de criminosos já conhecidos, como grileiros, garimpeiros e madeireiros. Ou seja, além da pandemia estão precisando lidar com aumento de criminalidade que, muitas vezes, encontra incentivo e apoio no discurso e nas medidas institucionais do atual governo. (APIB 2020b)
A partir dessa dimensão que a coordenação do movimento indígena promoveu a Assembleia, objetivando “coordenar as estratégias de combate à disseminação do novo coronavírus de forma unificada e respeitando as diferenças regionais e culturais”. Importante salientar a visão transdisciplinar com que as lideranças indígenas organizaram e promoveram a agenda para construir um plano de enfrentamento, buscando envolver lideranças regionais e especialistas não indígenas de diferentes segmentos para compartilhar diagnósticos locais de danos causados pela disseminação do vírus a fim de compreender como as comunidades estavam lidando com os casos e se estavam tendo acesso a equipes de saúde.
Na mesma linha de combater a subnotificação extra e quase nenhuma que está envolvendo os casos indígenas e manter um monitoramento diário, APIB, COIAB e APOINME adotaram instrumentos próprios de levantamento de casos junto a lideranças, comunidades e organizações locais. Tais instrumentos constituíram uma iniciativa fundamental para denunciar o descaso do governo federal. Em âmbito nacional foi lançado o “Alerta APIB”, um boletim diário que traz informações de indígenas infectados, quantidade de mortos, suas localidades e seu povo. Tais dados são fundamentais para entender o avanço da pandemia sobre as terras indígenas e entre os indígenas que vivem próximos ou nos centros urbanos.
Outro instrumento fundamental foi o lançamento do site, organizado e mantido pela APIB, onde são postados, além dos monitoramentos de casos, notas das organizações indígenas, relatos de casos e material informativo. Quem produz esses materiais informativos é a rede de comunicadores indígenas “Mídia Índia”, que também traduz as informações para várias línguas indígenas. Essas orientações são repassadas a comunidades e lideranças indígenas por meio de rádios comunitárias, boletins das associações locais e grupos de WhatsApp.
As barreiras sanitárias implementadas pelas comunidades indígenas e suas lideranças constituíram-se em verdadeiros movimentos autônomos com vista a impedir a acesso de pessoas ao território. Tais medidas foram adotadas por várias comunidades, que, valendo-se de sua autonomia organizacional, efetivaram tais ações que sem dúvida têm efeito prático imediato. Comunidade indígenas de diversas regiões e contextos territoriais fecharam os seus territórios, restringindo de forma eficaz as incursões às Terras Indígenas. Em alguns casos, a restrição se estendeu até para indígenas residentes nas cidades, mesmo que trabalhadores ou estudantes temporários.
No campo judicicial, APIB, COIAB, Conselho Terena e Aty Guasu, em conjunto com várias outras entidades indigenistas (Conselho Indigenista Missionário, Instituto Socioambiental, Centro de Trabalho Indigenista, dentre outras), lograram êxito ao peticionar ao Supremo Tribunal Federal a solicitação de suspensão nacional de todos os processos e os recursos judiciais que tratem de demarcação de áreas indígenas até o final da pandemia da Covid-19 ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral reconhecida. No dia 06 de maio de 2020, o ministro relator Edson Fachin deferiu o pedido feito pelas organizações indígenas e indigenistas, suspendendo todas as ações de reintegração de posse movidas contra comunidades indígenas, enquanto perdurar a pandemia[mfn]“A suspensão nacional abrange, entre outros casos, ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação e recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais dos povos indígenas, até o término da pandemia da Covid-19 ou do julgamento final recurso, o que ocorrer por último”. (Supremo Tribunal Federal 2020b).[/mfn] . Ao deferir a suspensão, o ministro relator salientou que, em razão da pandemia, que não tem prazo para acabar, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem orientando governos e populações a adotar o isolamento social, entre outras medidas, a fim de impedir a disseminação da infecção. E ainda, o ministro Edson Fachin frisou “que os indígenas sofrem há séculos com doenças que muitas vezes são responsáveis por dizimar etnias inteiras pelo interior do país, diante da falta de preparo do seu sistema imunológico”.
No campo político, o movimento indígena em articulação com o mandato da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) construiu e apresentou o projeto de lei n. 1142/2020. O PL foi analisado e votado na Câmara dos Deputados no dia 21 de maio de 2020. O projeto de lei da deputada professora Rosa Neide (PT/MT) previu a instituição de medidas para prevenir a disseminação da Covid-19 junto aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Um projeto substitutivo foi apresentado pela relatora, deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), preceituando que “as medidas de saúde farão parte de um plano emergencial coordenado pelo governo federal, mas deverão ser adotadas também outras ações para garantir segurança alimentar”. As ações previstas no PL aprovado na Câmara, e que seguiu para o Senado, “atenderão os indígenas aldeados ou que vivem fora das suas terras em áreas urbanas ou rurais e os povos indígenas vindos de outros países e que estejam provisoriamente no Brasil”. Em relação ao projeto de lei aprovado, não há dúvida que muitas de suas ações contemplam as necessidades concretas dos povos indígenas. Entretanto, houve manifestação por parte do movimento indígena em relação ao dispositivo que trata dos povos isolados. A COIAB publicou nota de repúdio contra o que classificou de “tentativa de legalização de missões religiosas em territórios ocupados por indígenas em isolamento voluntário”. Segundo a nota da COIAB, “inclusão sorrateira […] este parágrafo, ao autorizar a entrada de terceiros e de garantir a permanência de missionários nestes territórios durante a pandemia, claramente coloca em risco a vida dos povos em isolamento voluntário”. E conclui afirmando que “historicamente os missionários proselitistas têm invadido territórios indígenas e forçado o contato com os povos em isolamento voluntário, ferindo os princípios de autodeterminação e autonomia dos povos indígenas isolados garantidos pela legislação brasileira através da política do não-contato”. O projeto de lei foi aprovado na Câmara e no Senado, e posteriormente foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Foi diante deste contexto, de risco concreto de genocídio dos povos indígenas, que a APIB protocolou uma ação judicial na Suprema Corte do Brasil. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 709 solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a determinação de medidas protetivas para os povos indígenas. Na petição a organização indígena salientou que os direitos à vida , à saúde integral e à identidade cultural dos povos indígenas estavam sendo violados. Os principais pedidos foram para que o Estado brasileiro adotasse todas as medidas necessárias para a retirada dos invasores nas Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá e que determinasse a colocação de barreiras sanitárias em 31 Terras Indígenas que têm a presença de povos indígenas isolados e de recente contato[mfn]As terras são as seguintes: dos povos isolados, Alto Tarauacá, Araribóia, Caru, Himerimã, Igarapé Taboca, Kampa e Isolados do Rio Envira, Kulina do Rio Envira, Riozinho do Alto Envira, Kaxinauá do Rio Humaitá, Kawahiva do Rio Pardo, Mamoadate, Massaco, Piripkura, Pirititi, Rio Branco, Uru-Eu-Wau-Wau, Tanaru, Vale do Javari, Waimiri-Atroari, e Yanomami; e dos povos de recente contato, Zo’é, Awa, Caru, Alto Turiaçu, Avá Canoeiro, Omerê, Vale do Javari, Kampa e Isolados do Alto Envira e Alto Tarauacá, Waimiri-Atroari, Arara da TI Cachoeira Seca, Araweté, Suruwahá, Yanomami, Alto Rio Negro, Pirahã, Enawenê-Nawê e Juma.[/mfn] que fossem prestados os serviços do Subsistema de Saúde Indígena a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas.
No dia 07 de julho de 2020, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma decisão liminar e deferiu parcialmente os pedidos pleiteados. E no dia 05 de agosto de 2020, o pleno da Suprema Corte, decidiu, por unanimidade, confirmar a decisão, determinando a elaboração de um plano de colocação de barreiras sanitárias nas Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados e de recente contato, de um plano de enfrentamento e monitoramento da Covid-19 nas Terras Indígenas do Brasil e de um cronograma para extrusão dos invasores das sete Terras Indígenas e, por fim, que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) passasse a atender os indígenas que estão nas Terras ainda não homologadas.
Foto: Bruno Kelly, Reuters
A luta pela terra, a mãe de todas as lutas
Os povos indígenas por meio do movimento organizado têm demostrado uma profunda capacidade de resistência frente a violações em diferentes contextos. Em tempos de pandemia da Covid-19 isto não foi diferente. O plano de enfrentamento elaborado a partir da realização da Assembleia Nacional da Resistência Indígena nos indica este caminho. Num cenário de crescente e inaceitável ataques aos direitos dos povos indígenas, a APIB elaborou este plano que consolidou 58 propostas apresentadas pelas lideranças de base. O plano articula ações emergenciais, judiciais, internacionais e de comunicação. As propostas buscam evidenciar e construir respostas à omissão do Estado brasileiro no enfrentamento da pandemia por Covid-19 junto aos povos indígenas, que se agrava num cenário de desmonte dos direitos indígenas e da política indigenista e de enfraquecimento de órgãos e instituições públicas responsáveis pela implementação e a execução de assistência aos povos indígenas, proteção de seus territórios e promoção de seus direitos.
Finalizamos este texto apresentando os quatro objetivos que demandam ações emergenciais, judiciais, internacionais e de comunicação, pautados pelo movimento indígena: 1) cobrar respostas culturalmente adequadas bem como medidas urgentes para salvar vidas indígenas e garantir a subsistência em todo o território nacional, sem discriminação, bem como medidas estruturantes considerando o impacto prolongado da pandemia, e a participação e a consulta aos povos indígenas por parte dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas de atendimento aos povos indígenas; 2) denunciar a situação de genocídio dos povos indígenas que se agrava no Brasil e exigir em todas as instâncias cabíveis todas as medidas preventivas possíveis, bem como a responsabilização do Estado brasileiro frente à omissão que ameaça a existência de indivíduos, comunidades, povos e culturas inteiras seja com relação a ações de saúde, de assistência e/ou de proteção das Terras Indígenas contra a entrada invasores e outras pessoas não-indígenas que podem transmitir a doença; 3) monitorar os casos de Covid-19 entre os indígenas, denunciando a subnotificação de casos e colaborando com informações, orientações e boas práticas que ajudem os povos indígenas a se manterem protegidos em isolamento social em suas casas, aldeias e territórios e a adotarem medidas de prevenção e de cuidado contra a Covid-19, evitando a circulação fora das Terras Indígenas; e 4) reforçar a articulação e a solidariedade de aliados e parceiros da APIB, reunindo conhecimentos e contribuições médicas, técnicas, artísticas, logísticas e financeiras para o enfrentamento da Covid-19, com ampla visibilidade nacional e internacional da situação dos povos indígenas, de nossa resistência e luta.
O ponto central do debate é recolocado pelos povos indígenas “a mãe terra enfrenta dias sombrios. O mundo atravessa sua maior crise social, econômica e política, que foi provocada pela pandemia da Covid-19, colocando a humanidade em profunda reflexão e resistência pela preservação da vida”. Mais uma vez é preciso refletir sobre o importante papel que os territórios tradicionais cumprem no equilíbrio da humanidade. Neste contexto, faz todo sentido o documento final da APIB ao expressar que “é hora de refletir sobre o modo de vida que temos cultivado até os dias atuais, pois as diversas crises e catástrofes ambientais são fruto de ações de fortes impactos no meio ambiente que nos levam ao avanço do aquecimento global, à perda de vegetação e a profundas mudanças na natureza”. Os povos originários têm nos dado o alerta de hoje e sempre: a relação estabelecida com a mãe terra precisa ser repensada urgentemente.
Foto: Edney Kokama
Eloy Terena
Advogado indígena do povo Terena. Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ), com estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Membro da Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), na Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Integra o “Grupo de Trabalho, Povos Indígenas e Tortura”, da Organização Mundial de Combate à Tortura (OMCT). Foi membro da Comissão Especial para defesa dos direitos dos povos indígenas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no período de 2012 a 2016. Atua como assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
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