Foto: arquivo pessoal de Davi Neustein
À medida que a COP 30 se aproxima, programada para 2025 em Belém, a atenção global se volta cada vez mais para a Amazônia. A cobertura da mídia internacional frequentemente destaca questões alarmantes como desmatamento, incêndios florestais, violência e crimes contra os povos indígenas. Entretanto, além dessas tragédias que são centrais, a Amazônia também é vista como o “pulmão do planeta”, representando uma região com grande potencial e esperança para a conservação ambiental global e a luta contra as mudanças climáticas.
No entanto, a riqueza da Amazônia vai muito além de sua biodiversidade. A região se destaca como um verdadeiro laboratório de experimentação em políticas públicas, participação cidadã e inovação tecnológica. Nesse contexto, a juventude amazônica assume um papel fundamental. Consciente do crescente interesse global por sua região, os jovens amazônicos se engajam e inovam em diversos campos da sociedade. Atualmente, a Amazônia se tornou um polo de start-ups voltadas para o desenvolvimento sustentável, projetos sociais e iniciativas políticas. Essas iniciativas podem servir de exemplo para as sociedades europeias e norte-americanas, especialmente nesses tempos de crise da democracia representativa. A pergunta central é: quais fatores explicam o sucesso da juventude amazônica na organização da sociedade civil e na sua capacidade de fazer valer suas reivindicações junto aos líderes? E, mais importante, que lições podemos aprender com essa experiência?
As respostas para essas questões estão na compreensão mais profunda da Amazônia. É crucial estudar sua geografia e sua história e precisamos mais ainda escutar e observar a Amazônia, para aprender de suas experiências. Os projetos bem-sucedidos na região frequentemente envolveram um diálogo e uma integração ao longo prazo com a população local e levaram em conta as particularidades culturais de cada sub-região. Há muito a aprender com a Amazônia.
Em agosto de 2023, viajei por diferentes partes da região no âmbito de um projeto desenvolvido pela Pour Le Brésil, uma associação estudantil de Sciences Po Paris, da qual sou diretor junto com dois colegas. A Pour Le Brésil é uma associação fundada em 2019 e reconhecida pela UNESCO que tem como objetivo financiar bolsas para estudantes da região amazônica e formar jovens líderes para as próximas negociações internacionais que ocorrerão na região. O objetivo deste mês de viagem foi conhecer e dialogar com diferentes atores que trabalham com as juventudes na região, como ONGs, universidades ou projetos locais. Como itinerário, escolhemos cinco localidades diferentes: Belém, Santarém, Manaus, Tefé e Porto Velho.
Cinco localidades diferentes para conhecer uma região que se estende por 48% do território brasileiro (Santos & Veríssimo, 2022), o equivalente a nove vezes a área da França. A Amazônia é uma região extremamente diversa, composta por vastas extensões de florestas tropicais, mas também por muitas cidades com mais de um milhão de habitantes, plantações intermináveis de soja e grandes vales áridos. Além disso, é “desconhecida” pelos meios de comunicação ocidentais, mas igualmente ignorada pelos próprios brasileiros do Sudeste, onde se concentram os centros turísticos e econômicos e também as elites políticas do país. A grande maioria dos brasileiros não conhece a Amazônia e a percebe simplesmente como uma floresta distante.
A região amazônica é também a mais jovem do Brasil, com 25% de sua população com menos de 14 anos (Azevedo, 2023). Cerca de 80% da população está concentrada nas aglomerações urbanas (Santos & Veríssimo, 2022) e, apesar de sua riqueza natural, sua economia não se compara à dos estados do Sudeste, representando apenas 6,3% do PIB do país em 2023 (IBGE, 2021). Isso faz da Amazônia uma região muito mais voltada para a capital, Brasília, do que para os capitais.
Tudo é questão de legislação: delimitações de terras, autorização de mineração, leis de pesca, caça, agricultura. Ao contrário de São Paulo ou Rio de Janeiro, onde os governos locais e as forças econômicas influenciam fortemente os processos decisórios diários, é curioso constatar como a Amazônia é dependente e atenta às decisões tomadas em nível federal por Brasília. A polarização política presente no país é ainda mais visível na região. Por um lado, grande parte da população está ciente da ameaça climática sobre a floresta e seu ecossistema. No entanto, os apoios ao ex-presidente Bolsonaro, cético climático por excelência, ainda são massivos. Os anos de sua presidência foram marcados por um aumento significativo dos crimes ambientais e uma negligência das instituições públicas. Essa dependência da capital e do poder federal também se explica por razões históricas.
Ao longo do século XX, os governos tinham como prioridade “colonizar” a floresta amazônica, explorando-a de maneira agressiva e estabelecendo vastas aglomerações urbanas com o objetivo de melhor controlar o território, sem pensar na infraestrutura necessária. Manaus ilustra perfeitamente essas políticas colonizadoras: uma cidade de dois milhões de habitantes, estendendo-se no coração da floresta, cujo principal motor econômico é uma zona franca que atraiu, principalmente, a indústria automobilística. Apesar disso, Manaus permanece totalmente isolada do resto do território, com apenas duas rodovias ligando-a a outras cidades menores.
Santarém também se inscreve nessa dinâmica: uma cidade de 300 mil habitantes e situada ao longo da BR-163, parte da chamada de “rota da soja” e que constitui a principal artéria da cidade. Diariamente, centenas de caminhões passam por lá para alcançar seu destino final: o terminal fluvial de Santarém. Controlado pelo gigante americano Cargill, esse porto serve como ponto de convergência para os cargueiros que transportam os grãos de soja para a Ásia, a Europa ou a América do Norte. Situada às margens do rio Amazonas, o que mais impressiona nessa paisagem é a total ausência de árvores nas ruas geometricamente organizadas da cidade. A floresta foi progressivamente removida pelas necessidades urgentes de uma economia baseada na exploração, mais do que no desenvolvimento humano.
No centro desse cenário está, contudo, uma sociedade civil jovem e dinâmica que se esforça continuamente para transmitir as necessidades da população às autoridades locais e nacionais. Muitas vezes oriunda das periferias urbanas ou de comunidades tradicionais, essa juventude, nascida no final dos anos 1990, está profundamente consciente do seu ambiente e dos principais desafios que enfrenta. Historicamente politizada, essa “juventude climática” é frequentemente a primeira geração em suas famílias a acessar a universidade, em grande parte graças às oportunidades oferecidas pelos projetos implementados pelos governos de esquerda no início dos anos 2000. Esses jovens líderes organizam suas comunidades, formulam demandas específicas e estabelecem ligações notáveis com os poderes públicos. Com base em seus conhecimentos acadêmicos, essa juventude entendeu, sobretudo, que o dever de mudar certas dinâmicas de poder lhes pertence. Essa juventude possui uma visão muito mais realista e proativa do que a juventude europeia.
Durante a minha viagem, tive a oportunidade de encontrar muitos coletivos que tiveram sucesso no que eu chamaria de “ativismo técnico”: uma forma de engajamento que não se limita à esfera política, mas integra também uma expertise técnica aprofundada de sua causa.
A Cooperativa dos Jovens da Amazônia para o Desenvolvimento Sustentável – COJOVEM constitui um excelente exemplo nesse sentido. Liderada por três jovens de Belém, essa organização elaborou um documento em que lista todas as políticas públicas existentes voltadas para a juventude do Pará. Eles identificaram os temas prioritários, bem como os princípios e as diretrizes para a criação e a implementação dessas políticas. O projeto emergiu de um processo participativo envolvendo mais de 30 instituições compostas por jovens e que representam as populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas da região. O resultado é fruto do processo longo e colaborativo que mobilizou mais de 800 ações no estado, incluindo a distribuição de mais de 6500 documentos informativos e a organização de 40 eventos culturais desde 2012. Segundo seu relatório anual, mais de 7000 pessoas foram impactadas por essas iniciativas. Ora, o relatório foi distribuído em diversas esferas de decisão, como, por exemplo, no nível local, ao governador do Pará, mas também a deputados do Congresso Brasileiro e à COP 28 em Dubai.
Um terço da população do meu estado, o Pará, é considerada como jovem. Se nos concentrarmos nas principais políticas públicas relacionadas ao clima, podemos ver que elas tratam da juventude e da infância, pois eles [os formuladores de políticas] sabem que somos a geração que será mais impactada pela crise. No entanto, nós, jovens, não nos reconhecemos nessas políticas, pois não fomos nós que as formulamos: isso precisa mudar (Karla Braga, diretora da COJOVEM).
Com esse trabalho, esses jovens conseguem sensibilizar diferentes públicos para a causa amazônica, uma causa que não se limita apenas à questão ambiental, mas que também engloba questões urbanas e de desenvolvimento sustentável.
A COP das Baixadas é outro exemplo que ilustra o engajamento da juventude. Consciente do caráter muitas vezes exclusivo das conferências internacionais, uma dezena de coletivos se uniram para organizar uma conferência climática local visando abordar as principais preocupações dos bairros periféricos de Belém. O objetivo desta iniciativa é sensibilizar a população sobre os diversos desafios que a cidade enfrenta devido às mudanças climáticas. Já em sua terceira edição, o evento contribui grandemente para a educação ambiental da população e cria um espaço de discussão aberto a todos. Muitos organizadores desse evento também participaram das negociações oficiais organizadas pela ONU nas COP 27 e 28 e desempenharão um papel central na COP 30, no Brasil.
A COP das Baixadas é uma iniciativa que reúne muitos coletivos trabalhando nas questões climáticas. Nosso objetivo é criar espaços de troca para encontrar novas soluções, mais próximas da realidade dos habitantes. Queremos elaborar nossa própria narrativa climática (Jean Ferreira, um dos diretores da COP das Baixadas).
Essas diversas iniciativas destacam o papel central da juventude na organização da sociedade civil amazônica. Como tudo no Brasil, é crucial analisar esses movimentos através do prisma das fortes desigualdades que assolam o país. Seu sucesso decorre de sua notável capacidade de criar espaços de escuta popular e facilitar o diálogo entre realidades diversas e pontos de vista variados. A juventude amazônica foi capaz de construir pontes de diálogo e navegar entre as elites dirigentes e as demandas populares.
Quando observamos a maneira de operar desses coletivos, podemos compreender as chaves do seu sucesso: jovens engajados que não têm medo de confrontar uma esfera política dominada por pessoas que não se parecem com eles. A grande maioria desses jovens não tem medo dos protocolos e das diferentes burocracias. Eles estão abertos a se sentar com personalidades de todos os espectros políticos para fazerem ouvir sua voz. A abertura ao diálogo é de longe sua prioridade, pois sabem que, sem isso, serão confinados nos clichês de uma juventude engajada qualquer. Esse rompimento de barreiras também é possibilitado pelos próprios atores políticos, que estão dispostos a ouvir esses jovens. Graças a uma certa forma de “permeabilidade da juventude”, raros são os eleitos que estão dispostos a fechar suas portas para jovens engajados, ansiosos por aprender e contribuir para a mudança.
Esse movimento é necessário para suscitar um engajamento mais dinâmico e moderno da sociedade civil em nossas democracias ocidentais e para responder a certos aspectos da crise de representatividade que enfrentamos hoje. Em período de eleições europeias, a juventude deveria se inspirar nos modelos amazônicos que defendem, por um lado, o engajamento da população local e a promoção de suas demandas pressionando o sistema político, e por outro lado, a ideia de que a mudança também se faz integrando esse sistema e jogando com as mesmas regras que os dirigentes criticados.
Davi Neustein
Possui um mestrado em Governança Internacional e Diplomacia pela Sciences Po. Com experiência nos setores público, privado e terceiro setor, trabalha atualmente como consultor de políticas públicas sustentáveis. Graduado em Relações Internacionais, Davi se especializou em estudos latino-americanos. Sua trajetória acadêmica reflete uma dedicação em promover a colaboração global, especialmente em áreas cruciais para o desenvolvimento sustentável e a diplomacia climática internacional.
Referências
Agência IBGE Notícias. 2021. « Em 2021, PIB cresce em todas as 27 unidades da federação Agência de Notícias ». Consultado dia 31 de julho 2024. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38388-em-2021-pib-cresce-em-todas-as-27-unidades-da-federacao.
Azevedo, Ana Laura Moura dos Santos. 2023. « IBGE – Educa Jovens ». IBGE Educa Jovens. Consultado dia 31 de julho 2024. https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18318-piramide-etaria.html.
Daniel Santos, Manuele Lima dos Santos, et Beto Veríssimo. 2022. « Fatos da Amazônia. Meio ambiente e uso do solo ». Centro de Empreendedorismo da Amazônia. https://amazonia2030.org.br/wp-content/uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf.
Lobo, Felipe. 2023. « Public policies as a guarantee of rights for young people in Pará ». iCS. https://climaesociedade.org/en/public-policies-as-a-guarantee-of-rights-for-young-people-in-para/.