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O que se sabe do Brasil em 2024
Parte 2 – A liberdade sem igualdade
Gérard Wormser

Foto: Gérard Wormser

Nesta segunda parte de seu texto, Gérard Wormser discorre sobre a necessidade de “desencantar” o mito brasileiro. A realidade desse modelo social apenas será modificada quando forem adicionadas mais pessoas numa cidadania integral. Hoje o determinismo “social” é tão importante que as formas elitistas se mantêm de modo exagerado. O que é aceito até pelos brasileiros mais poderosos. Desse contexto surge o interesse em ligar essa situação com as camadas formadas pelas integrações locais, nacionais e globais, tal como formulado no livro de J-F Bayart. As consequênçias são: 1. não há uma “identidade” brasileira para justificar um fatalismo qualquer; 2. não há como reformar o país se considerarmos de forma separada a economia global e os problemas dos pobres.

A mudança, se tal coisa deve aparecer, vai exigir da parte das elites uma determinada vontade de investir muito dinheiro durante 30 anos para fazer com que a transição climática seja ligada a um projeto de integração geral, começando nas escolas públicas, com uma contribução enorme do setor produtivo para investir no povo brasileiro — o único capital para o futuro. A sexta maior economia global não poderá ter uma estratégia internacional (BRICS, G20, COP30 …), se só cerca de 1% dos brasileiros estão decidindo do que será feito o futuro… Este texto foi originalmente publicado na revista Sens public.

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A democracia coexiste com a pobreza e o neoliberalismo

O imposto não recai nem um pouco sobre as grandes fortunas do país, e a reforma iniciada moderniza as regras sem ultrapassar o teto de gastos. Isso mostra como a economia depende da constituição dos poderes, uma vez que a globalização permite reforçar o poder sobre o Estado de elites que, de outra forma, seriam relegadas a vestígios obsoletos. Tanto a Revolução Francesa quanto as independências nacionais ou pós-coloniais mostraram a capacidade dos grupos dominantes a perpetuarem sua ascendência social por intermédio de uma mudança completa do modelo que, até então, lhes assegurava uma superioridade incontestável.

Assim, no Brasil, as famílias beneficiárias da prosperidade urbana do último século raramente se misturam com o povo miscigenado. Elas cultivam suas origens europeias entre si, elas se asfastam do povo comum. É algo particularmente visível nas grandes metrópoles do país, assim como em Brasília, e essa opção é reforçada pela influência dos super ricos, capazes de movimentar as oportunidades financeiras. Isso preserva o conjunto dos grupos dominantes de toda reforma virulenta. O imobilismo institucional é evidente. Além disso, a oposição detém todos os poderes, exceto o governo central e capta o eleitorado dos principais estados. Como prova, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha consagrado o direito dos povos indígenas às suas terras, o Congresso está fazendo de tudo para que esse julgamento não se concretize na prática. Essa situação encoraja atrocidades e assassinatos contra essas comunidades dispersas. Segundo o modelo proposto por Bayart, o jogo das instituições permite, sobretudo, distribuir as desigualdades e reforçar as dominações.

Com Lula, foi retomado o apoio às bolsas universitárias e aos programas sociais, e o salário mínimo foi aumentado. Mas as transferências entre as regiões do país estão longe de compensar a diferença de investimentos e de políticas de desenvolvimento — tanto no meio urbano, quanto rural. O custo de vida é proibitivo para os mais pobres nos centros urbanos. Por sua vez, a população rural enfrenta o custo desproporcional dos transportes, o racionamento das prestações de saúde pública e os calamitosos sistemas de educação local. A paz social baseia-se, portanto, no consentimento comprovado das desigualdades tanto geográficas quanto sociais, e são as divisões entre as populações e as regiões que permitem consolidar o poder do Estado. No final das contas, o consenso limitado de que beneficiam os governantes favorece as instituições. Paradoxalmente, quanto mais elas são frágeis, mais elas deixam as contestações se exprimirem. Aquilo que parece ser uma tautologia encarna na realidade a complexidade que permite a triangulação: o fraco controle exercido pelo governo sobre as orientações sociais de base se compensa, em parte, por um apelo ao sentimento patriótico sempre que possível e pela menção do contexto mundial para todo o resto. A impotência pública é, assim, o melhor garantidor da perenidade dos poderes, desde que se consiga evitar a secessão. A velha fábula romana dos membros e do estômago mais do que nunca está em vigor.

A propósito de estômago, as pesquisas constatam uma agravação crescente da diferença de rendas. Em vários estados, e particularmente no Nordeste, os 3/4 da população vivem com menos de 300 dólares por mês. Miséria: milhões de brasileiros vivem em uma absoluta precariedade. A maioria da população descende de camponeses miscigenados e dos escravos presentes no país antes de 1900: sem a menor margem econômica, ela subsiste gastando quase nada. Se a conjuntura é melhor, o consumo popular se encontra em redução por muito tempo. A reforma fiscal não visa, de forma alguma, transferências sociais nem qualquer descentralização administrativa. A partir do que, o consumo popular patina. A célebre rede Lojas Americanas está em falência, incapaz de honrar as dívidas contraídas por seus acionistas. Das redes de móveis (Tok Stok) a grupos de distribuição de materiais escolares e livros (Saraiva) fecharam ou reduziram o número de seus pontos de venda. Dessa forma, a passagem é direta das redes de proximidade às redes globalizadas. Amazon, Alibaba ou Mercado Livre fazem a lei. A venda e os pagamentos por telefone ritmam o cotidiano brasileiro e irrigam até os empregos informais do comércio e dos serviços, e os empregos estatutários do setor do comércio de massa são frágeis.

Cortadores de cana. Foto: Gérard Wormser

É preciso que falemos, então, de uma economia dual. Existe um Brasil cuja propensão aos gastos dá meios de subsistir às pequenas classes médias de empregados de todo gênero — aqueles das empresas privadas de saúde (foi anunciada a venda da Amil por seu proprietário, a United Health), das concessionárias de automóveis, dos funcionários públicos, dos serviços jurídicos, do setor imobiliário e do turismo. Após ter multiplicado os circuitos de trocas, a globalização substituiu as classes sociais pela segmentação comercial. A cada consumidor é atribuído um perfil tipo ao qual se destinam suas transações eletrônicas. Isso deixa quase nenhum espaço para a crítica política. Numerosos são os jovens a se impregnar das ilusões de uma mobilidade ascendente, mas essa exige se conformar com normas comportamentais rigorosas, respeitar todos os códigos e não vivenciar qualquer árduo revés. Mesmo exercendo uma vigilância permanente, apenas um contingente reduzido da população poderá escapar, na ausência de proteções familiares, aos limites invisíveis intransponíveis.

Emancipar-se? Esse horizonte recua permanentemente e no mundo inteiro. Entretanto, o Brasil seria uma mina quase infinita de prosperidade. Seus recursos estão entre os mais consideráveis do planeta, e suas ativos geográficos são imensos. Por que ele não se engaja em sua evolução? Idealmente seria necessário consolidar o mercado interno e aumentar as qualificações da população. E também reequilibrar as bases produtivas privilegiando a melhora do bem-estar nas grandes conurbações e o investimento livre de carbono nos centros de menor tamanho ao longo das costas atlânticas. Tendo em vista as mudanças climáticas previsíveis, limitar a urbanização de regiões do interior seria benéfico. Mas a objeção se apresenta imediatamente. O projeto de uma política social mais equitativa terminaria em protestos. As grandes mídias antecipariam uma fuga de capitais que ocorreria bem antes de qualquer aumento do consumo popular. Elas evocariam um cenário no estilo argentino. Em resumo, não se muda nada. O boom da soja transgênica no Mato Grosso ou no Paraná resolve de antemão a questão. Não se recusa um crescimento desenfreado, o fortalecimento do agronegócio e das redes bancárias, e uma lua de mel com a China, mesmo a preço do desmatamento do Cerrado, do emprego descontrolado de pesticidas e dos milhares de caminhões necessários para transportar as colheitas até as zonas portuárias1Ver o artigo de Bruno Meyerfeld (Meyerfeld, 2023) publicado em setembro de 2023..

Por outro lado, não se discute também as taxas desproporcionais que representam os custos de transporte, comunicação e saúde para os mais pobres. Todo benefício universal seria considerado como coletivismo, e a subvenção dos transportes populares, na medida em que pudesse ocorrer, seria encarada essencialmente como uma abordagem clientelista. Não há, portanto, uma maioria alternativa àquela que apoia a ortodoxia financeira e o suporte às indústrias exportadoras. Na prática, milhões de brasileiros estão excluídos de qualquer situação que possa melhorar sua sorte. A não ser que se demonstre uma determinação feroz e tenaz para obter um diploma, ou que passe anos para consolidar um comércio ou um emprego rotineiro, sem esquecer de proteger constantemente sua reputação frente à maledicência dos invejosos, de preferência emigrando para longe do seu bairro de nascimento, é um esforço em vão. Terceiro maior grupo populacional dos BRICS, após China e Índia, o Brasil consolidou sua posição à custa da perpetuação da pobreza extrema. Sob esse prisma pode ser vista a retomada pelo principal grupo papeleiro do país, Suzano, das unidades de fabricação e distribuição até então pertencentes à Kimberly-Clark: as margens são reduzidas com o papel higiênico, mas os volumes são tais que é vantajoso dominar seu mercado nacional. Isso reforça um grupo industrial que reivindica um know how internacional na exploração de eucaliptos e seus derivados. Sua capacidade de produção praticamente dobrou após a aquisição, em 2019, de seu principal concorrente brasileiro, podendo festejar uma história industrial centenária!

Aqui constatamos a sobreposição permanente da colcha de retalhos institucional nacional criada pelas sutilezas jurídicas, os investimentos econômicos que fortalecem cada vez mais os atores dominantes, sobretudo se eles estiverem envolvidos na globalização, e existências individuais ou de comunidades locais, cujas práticas culturais e de socialização fortalecem a coesão ao mesmo tempo em que as redes sociais os conectam aos rumores do mundo e aos eventos nacionais.

Lula, Dilma e Haddad na Mairie de Paris, 2020. Foto: Gérard Wormser

Nessa medida, ter aprovado uma reforma tributária, mesmo que limitada, dá crédito ao governo Lula. A retomada dos orçamentos da saúde pública e o controle parcial do desmatamento e do garimpo ilegal, assim como os engajamentos visando esverdear progressivamente a produção energética, vão na mesma direção. Fato é que o controle severo do déficit orçamentário inviabiliza toda política de organização e aproveitamento do território. Os investidores privados decidem tudo e ditam sua política econômica ao governo, a quem incumbe, principalmente, o suporte técnico necessário para acompanhar o desenvolvimento urbano e produtivo. As transferências sociais e entre regiões são insuficientes para suscitar mudanças reais.

Além do mais, há pouco debate sobre o assunto. Uma planificação a longo termo suporia aproximar as instâncias de decisão dos potenciais beneficiários. Certamente se poderia contar com as estatísticas confiáveis produzidas por diversos organismos de qualidade, incluindo o IBGE, que é para o Brasil o que o IPCC2O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) é uma organização científico-política criada em 1988 no âmbito das Nações Unidas. Seu principal objetivo sintetizar e divulgar conhecimentos sobre as mudanças climáticas. Nota de tradução. é para o clima. Gostaríamos de ver as capacidades das jovens gerações se fortalecerem pela concessão de “créditos” nas áreas de educação, formação e transporte. Uma compensação fixa dos custos de conexão, tornados indispensáveis para existir como cidadão, seria também apreciada, uma vez que esses custos fixos pesam de forma diferencial na renda de cada um.

Mas o país se engaja em simples formas tradicionais e ineficientes da economia do gotejamento. Excetuando os empregos informais locais, o turismo voltado aos consumidores abastados e os investimentos imobiliários são os exemplos típicos de uma espécie de colonização interna do Brasil pelos próprios brasileiros. Que oportunidades oferece seu país! O financiamento de numerosos complexos turísticos ou residenciais segurados certamente dá empregos a muitos. Mas seu financiamento é frequentemente opaco e muito pouco tributado; se ele garante a rentabilidade do setor, ele não desconcentra a riqueza. Assim, provavelmente se explica, apesar dos rumores impossíveis a confirmar até o momento, a miragem desse eventual gigantesco investimento chinês no município costeiro de Mataraca. Por enquanto, se o prefeito local recebeu uma delegação da empresa responsável pelo projeto, sediada em Belo Horizonte, o consulado da China no Recife alerta as autoridades: trata-se talvez de uma miragem; após o que o governador do estado não deu sequência ao encontro previsto com os promotores do projeto. O único resultado concreto até o momento está nos jornais: no dia seguinte à reunião na prefeitura, ela foi assaltada e computadores foram roubados3O Vice-cônsul da China diz que projeto futurista em Mataraca é duvidoso: “temos motivo de acreditar que é uma fraude” (Nunes Cerqueira, 2023) ; João Azevêdo cancela audiência com grupo chinês que promete investimentos de R$ 9 trilhões para ‘cidade futurista’ em Mataraca (2023a) ; Prefeitura de Mataraca é invadida e computadores são roubados após empresários da China divulgarem investimento de R$ 9 trilhões na cidade (2023b).

Percepções metodológicas

Ir mais longe é abordar o domínio teórico da subjetivação política. Inspirado por sua leitura de Mille Plateaux 4Mil platôs, publicado em 1980, é mais uma colaboração entre Gilles Deleuze e Félix Guattari e dá sequência às teses de O anti-Édipo (1972). de Deleuze e Guattari, Jean-François Bayart nos lembra que “a oposição entre uma interioridade subjetiva e uma realidade institucional objetiva é perfeitamente ilusória”5Tradução nossa. Em francês: l’opposition d’une intériorité subjective et d’une réalité institutionnelle objective est parfaitement illusoire.. Toda subjetivação opera dentro de uma estrutura coletiva que determina o essencial de suas formas. Sem isso, como compreender que as redes sociais e os grupos de WhatsApp tenham servido de catalisador para os recentes movimentos de opinião da esfera conservadora? Todos esses serviços de comunicação pessoal são vetores propícios a estruturar, da mesma forma, atitudes subjetivas e relações com personificações de terceiros (líderes de opinião, estrelas da mídia e do esporte, influencers, pastores …) capazes de prescrever a todos e a cada um o registro estilístico de seus modos de vida. Nossa subjetividade é, portanto, em grande parte facciosa — tal é a descoberta central de uma abordagem que substitui uma observação factual por pressupostos ideológicos.

L’énergie de l’État, de Jean-François Bayart. Foto: Gérard Wormser

Os grupos de pares constituem um suporte indispensável para a posição pessoal de toda sorte de “sem” (aliás, seria tão diferente alhures?). Os adeptos dessas igrejas evangélicas são, de certa forma, transclasses, o terceiro estado abandonado das democracias liberais. Essas estruturaram-se agregando novas castas de novos ricos às antigas elites vindas de uma descolonização feita no século vinte em benefício das camadas dominantes, embora satisfazer as necessidades do povo em matéria de moradia e saúde permitiu evitar levantes perturbadores e deixou os rentistas com a consciência tranquila. A posição ambígua das redes sociais se deve, portanto, ao fato de que está em jogo, simultaneamente, segurança individual, submissão a imperativos externos de natureza mágica e uma abertura calibrada pelas representações dominantes, cuja adoção condiciona qualquer ascensão social. Da mesma forma pela qual as populações periféricas preferem lidar com um pequeno tirano local, previsível até nas discriminações e injustiças que pratica (mas de quem se pode sempre esperar um favor) em vez de um emissário incontrolável vindo de longe e que logo partirá novamente. Essas populações visam todas as práticas valorizadoras aos olhos das pessoas próximas e que podem chegar até elas a partir de um exterior em parte imaginário. Aqui, o realismo prático, cujo funcionamento Pierre Bourdieu bem descreveu, é combinado com a subjetivação social indispensável para a constituição de uma identidade pessoal e a adoção de estilos irracionais e mágicos inseparáveis das esperanças místicas, que estruturam as crenças e as esperanças tanto materiais quanto espirituais. Esse último recurso, se vier a dominar por pouco os demais, pode levar alguns indivíduos a atos revolucionários que, às vezes, os excluem de seu grupo de pertencimento, mas talvez lhes ofereçam uma gloria fugaz ou a integração em estruturas coletivas mais ou menos messiânicas.

Colocando em xeque os elementos de validação científica que mostrariam a impropriedade dessas atitudes para resolver o menor problema coletivo, essa abordagem que endossamos facilita a compreensão do paradoxo das revoluções conservadoras, que a persistência do apoio aos herdeiros do bolsonarismo torna imperativo levar em conta. De fato, tudo leva a crer que os termos segundo os quais esse fenômeno coletivo tem sido abordado, e que é em si transclassista, não permitem apreender sua essência. Qual mistério está por trás do fato de uma burguesia urbana tradicional ter feito aliança com os meios populares marcados por um evangelismo militante, os céticos do clima e os apóstolos da violência social em um país tradicionalmente exaltado por seu pacifismo (certamente desmentido pelas taxas de violência constatadas no Rio e outras cidades)? Os analistas têm uma escolha: se eles assumirem um sentido de história, devem mostrar em que esse irracionalismo radical faz parte de um futuro possível. E se quisermos resolver os fatores do conservadorismo social como um traço perene da socialização política brasileira, deve-se abandonar o messianismo histórico a aqueles que o praticam como religião. Jean-François Bayart é muito claro sobre esse ponto.

“A orientação revolucionária conservadora de tal religiosidade pode chocar, escreve ele, ainda mais quando ela tende a legitimar os poderes autoritários mais recalcitrantes. Mas ela fornece simultaneamente concepções novas de cidadania que os democratas liberais lutam para competir, atolados nos miasmas da iniquidade estatal e de sua ‘política do estômago’. É um paradoxo perturbador do qual os especialistas da América Latina, e do Brasil em particular, não devem se esquivar”.6Tradução nossa. Em francês: L’orientation révolutionnaire conservatrice d’une telle religiosité peut choquer, écrit-il, d’autant plus qu’elle tend à légitimer les pouvoirs autoritaires les plus recuits. Mais elle pourvoit simultanément des conceptions neuves de la citoyenneté que les démocrates libéraux peinent à concurrencer, empêtrées dans les miasmes de l’iniquité étatique et de sa « politique du ventre ». Un paradoxe dérangeant que ne devraient pas éluder les spécialistes de l’Amérique latine, en particulier du Brésil. (Bayart, L’Énergie de l’État, La Découverte, 2022, 549)

Nosso autor vai mais além e insiste na importância da dupla consciência, da automistificação e da mentira que compõem a consciência pública. Ele conclui que a democracia populista contribui a perpetuar o poder das gangues locais e das redes familiares. Sua análise se confirma pela renúncia, em fevereiro de 2024, da diretora do banco central turco, uma financista reconhecidamente altamente qualificada para servir ao interesse nacional, tendo em vista sua experiência em finanças globais, mas envolvida em um escândalo familiar. Ela descaradamente favoreceu seu pai, expondo sem pudor o segredo de um sistema em que a família domina as instituições. Mas não é dado a todos a possibilidade de se beneficiar de proteções suficientes para praticar esse nepotismo. Visto por esse ângulo, um olhar sobre Brasil inspirado pelo estudo das redes familiares que detêm a maioria das alavancas econômicas e regionais seria altamente relevante. A evolução do país responde certamente ao esquema de triangulação proposto por Bayart, entre o mundial, o estadual-nacional e o local. Essa seria a abordagem correta a ser adotada, se quisermos entender do que será feito o sucessor de Lula à frente do país.

Texto traduzido do francês por Junia Barreto e Luiz Capelo

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Foto: Junia Barreto

Gérard Wormser
Filósofo, doutor em filosofia, fundador, diretor e editor da Revista Eletrônica Internacional, editora e associação Sens Public, com sede na França. No Brasil, é membro fundador do blog e da revista eletrônica Coletivo Brasil.

Bibliografia

2023c. Parlamento PB, Dezembro. https://parlamentopb.com.br/chineses-prometem-investir-r-9-trilhoes-em-mataraca-mas-projeto-parece-copia-de-ideia-dinamarquesa/.
2023b. ClickPB/Paraiba. https://www.clickpb.com.br/policial/prefeitura-de-mataraca-e-invadida-e-computadores-sao-roubados-apos-empresarios-da-china-divulgarem-investimento-de-r-9-trilhoes-na-cidade-806045.html.
2023a. ClickPB/Paraiba. https://www.clickpb.com.br/paraiba/audiencia-entre-governador-e-grupo-chines-que-promete-investimentos-de-r-9-trilhoes-para-cidade-futurista-em-mataraca-e-cancelada-805551.html.
Bayart, Jean-François. 2022. L’énergie de l’État. Pour une sociologie historique et comparée du politique. Sciences humaines et sociales. Paris: La Découverte. https://www.cairn.info/l-energie-de-l-etat–9782348072321.htm.
Meyerfeld, Bruno. 2023. «Au Brésil, le soja, source de puissance mondiale et de déstabilisation régionale». Le Monde.fr, Setembro. https://www.lemonde.fr/international/article/2023/09/10/au-bresil-le-soja-source-de-puissance-mondiale-et-de-destabilisation-regionale_6188666_3210.html.
Nunes, Angelica, e Laerte Cerqueira. 2023. «Vice-cônsul da China diz que projeto futurista em Mataraca é duvidoso: “temos motivo de acreditar que é uma fraude”». Jornal da Paraíba, Dezembro. https://jornaldaparaiba.com.br/politica/conversa-politica/vice-consul-china-mataraca/.

Notas

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