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História das artes gráficas na Bahia
Gutemberg Cruz

Existem nos subterrâneos de nossa cidade muita gente nova preocupada com soluções formais mais atualizadas com a contemporaneidade que nos marca, cultural e ideologicamente. Por outro lado, problemas políticos ideológicos seriam marcantes na medida de atuação cultural desses quadrinhos como objetivos de consumo e como linguagem determinada pelo contexto cultura[mfn]Legendas com base em informações disponíveis na exposição Humor Gráfico na Bahia.[/mfn]. Foto: Clara Cerqueira

Muitos países deram suas contribuições para a construção das artes gráficas (quadrinhos, cartuns, charges e caricaturas). O Brasil deu sua contribuição a partir de 1867 quando o ítalo brasileiro Ângelo Agostini publicou As Cobranças. Em 1869 ele editou Aventuras de Nhô Quim. Aqui na Bahia, alguns artistas usaram o desenho para comentários sobre política, moda e vida social. O desenhista Gavarni publicou em 1885 uma história com desenhos em sequência, Entrevista de S.M. com os índios coroados. Trata-se do encontro do branco com os índios guaranis. Ou seja, dezesseis anos depois, era publicada na Bahia uma das primeiras histórias em quadrinhos. Desenhistas como Odilon, Cardoso e Fortunato elaboraram narrativas por meio de sequência de imagens acompanhando discurso verbal. Na época, a Bahia era um dos centros criativos do humor. No período de 1880 a 1900, a Bahia já publicava mais de 50 periódicos humorísticos de pequeno formato e curta duração. Entre eles estão O Satanaz, A Troça, Fóia dos Rocêro, D. Ratão, A Ronda dos Capadócios, O Diabo a Quatro, entre outros. Satíricos, audaciosos, irreverentes. Assim eram os jornais de outrora.


Paulo Serra. Mero é um personagem criado pelo cartunista, publicitário e ambientalista Paulo Serra. Surgiu em 1976 para criticar e alertar sobre a devastação do meio ambiente. Serra é um dos poucos cartunistas baianos que conseguiu transformar o cartum em ‘ferramenta de trabalho’. Deixou a publicidade, em 1982, para se engajar definitivamente nas tiras de seu humor. Foto: Clara Cerqueira

Humor Gráfico na Bahia é o título da exposição que fica em cartaz até 06 de dezembro de 2023, no Centro de Estudos dos Povos Afroindígenas Americanos (CEPAIA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), localizado no Largo do Carmo, 4, Centro Histórico de Salvador. A ideia é mostrar ao grande público os grandes nomes das artes gráficas de nossa terra, por meio de mais de 40 painéis (formato 50 x 70) com publicações antigas da Bahia. A mostra foi dividida em duas partes. A primeira, inaugurada no dia 24 de outubro, teve o lançamento do livro Repare só!: uma história dos quadrinhos na Bahia, de minha autoria. Tischenko, Paraguassu, Theo, K-Lunga, Lage, Nildão, Setúbal, Cau Gomez, Luís Augusto, Flavio Luiz, Hector Salas, Bruno Aziz, Tulio Carapiá, Cedraz, Wilton Bernardo, Caó e Ângelo Roberto tiveram seus trabalhos expostos


Sala do Centro de Estudos dos Povos Afroindígenas Americanos (CEPAIA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Centro Histórico de Salvador. Foto: Clara Cerqueira

A segunda parte vai até 06 de dezembro com trabalhos de Fernando Diniz, Helson Ramos, Sinezio Alves, Ruy Carvalho, Sidnei Falcão, Danilo Dias, Eduardo Santana, Valmor Oliveira, Zé Vieira, Paulo Serra, Hélcio Rogerio, Roberio Cordeiro, Naara, André Leal e Chico Liberato. Há, nos desenhos dos humoristas baianos, uma preocupação em retratar o ser humano no seu cotidiano e sua vida social. Os trabalhos expostos, esses implacáveis juízes de sua época, retratam, com agudo senso crítico, as características marcantes de nossa sociedade. Entre os destaques, O Faísca (1885), O Malagueta (1897), Bahia Ilustrada (1917), Fóia dos Roçêro (1903), além de revistas alternativas (Vilões, Esfera, Nego, DesHQue, Tudo com Farinha), suplementos e fanzines (Na Era dos Quadrinhos, Balão, A Coisa, Coisa Nostra, Sindicato), e trabalhos dos precursores (cFortunato, Paraguassu, K-Lunga e Tishchenko), dos formadores de opinião (Lage, Nildão, Setúbal, Cedraz, Flávio Luiz e Cau Gomez) e da nova geração, entre muitos outros.

O projeto Humor Gráfico na Bahia visa comemorar os 138 anos da primeira historieta publicada na imprensa baiana e quer mostrar para o grande público que a arte gráfica baiana está presente no nosso dia a dia, na mídia, nos blogs, no Facebook, nos livros e revistas, nos muros da cidade como grafite, etc. Ela está inserida na cultura urbana de forma direta e indireta. E é importante que saibamos sobre seu modo de atuação, suas tradições e crenças. Os quadrinhos influenciaram, por exemplo, as pinturas de Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Carybé e Chico Liberato e correram o mundo. Até o poeta Castro Alves já rabiscava caricaturas, assim como o maestro Lindembergue Cardoso , o cineasta Glauber Rocha e o diretor de teatro Márcio Meirelles. Por pressão do mercado, alguns profissionais têm que pagar pela falta de opções e pela imposição da dura realidade, em que a sobrevivência fala mais alto do que a ideologia da liberdade total de criação.


Eduardo Santana. Autor autodidata e cartunista, Eduardo Santana é atuante na área dos quadrinhos, tiras humorísticas e caricaturas. Editor e principal artista da revista Come-Comix, o primeiro gibi lançado em Jequié e região, em 2006. Já em 2007 começou a ter tiras veiculadas assiduamente pela Fundação Cultural da Bahia, em sua Folha Literária, chegando aos 417 municípios baianos. Foto: Clara Cerqueira

Reprimidos em determinados momentos políticos e indesejados como elemento de sátira, a caricatura e o desenho de humor surgido com a chegada da Família Real já revelaram grandes artistas. O humor gráfico sempre teve força na vida baiana, ao dar as mais variadas interpretações à nossa realidade. Desde que a imprensa foi instalada no Brasil, a caricatura, que antes era divulgada em pranchas (semelhantes aos atuais posters), constituiu-se num elemento importante nas disputas sociais e políticas. Antes de aparecer graficamente, a caricatura brasileira já se apresentava verbalmente com o baiano frei Vicente do Salvador (1564), que satirizava a máquina burocrática que entravava a administração do país desde o início da colonização. Gregório de Mattos Guerra, o Boca do Inferno, também ironizou verbalmente a nobreza que lhe era contemporânea. Lulu Parola foi outro importante crítico da sociedade de seu tempo.

Quem estiver interessado em conhecer mais sobre os quadrinhos da Bahia vale a pena conhecer meu recente livro lançado pela Editora Noir: Repare Só: Uma história dos quadrinhos na Bahia.


Naara. Ilustradora, artista visual, pintora e interventora em ambientes externos e internos, Naara Santos de Almeida Nascimento é graduada no curso de licenciatura em Artes Visuais na Escola de Belas Artes da UFBa. Ela já ilustrou livros e revistas para dentro e fora do país. Participou de exposições no Brasil, Europa e América Latina. Trabalha essencialmente com o poder de expressão do figurativo. Foto: Clara Cerqueira

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Gutemberg Cruz, jornalista e estudioso das artes gráficas

Nasceu em Salvador, em abril de 1954, em um bairro pobre da cidade, Pero Vaz. Lá, aos 13 anos de idade, fundou, com os amigos, o Clube da Editora Juvenil para estudar, analisar e criar quadrinhos brasileiros. Na época, o Clube lançou o fanzine Na Era dos Quadrinhos, que teve como leitor o estudioso Umberto Eco, fato registrado em um de seus livros. Mais tarde o Clube mudou o nome para Centro de Pesquisa de Comunicação de Massa, que realizou exposições e palestras em diversos locais com o objetivo de mostrar o valor dos quadrinhos, tidos na época como subcultura e coisa de criança. Em 1970, o Centro montou a “I Exposição de HQ do Norte e Nordeste”, no salão nobre do Instituto Central de Educação Isaías Alves – ICEIA. O tema abordado foi “A importância dos quadrinhos”. No debate, o professor Adroaldo Ribeiro Costa, que é muito conhecido na Bahia, foi agraciado com o título de presidente de honra do Centro. Adroaldo Ribeiro Costa foi o primeiro a dar espaço acadêmico para os trabalhos do Centro. Em 1971, na Biblioteca Central do Estado, o tema da mostra foi “Os Quadrinhos no Mundo”. No ano seguinte, foi lançada a mostra “Os Quadrinhos no Brasil”, também na Biblioteca Central. Em 1976, no Instituto Cultural Brasil Alemanha – ICBA , o Centro lançou “Quadrinhos Baianos”.


Sidney Falcão. Bacharel em Artes Plásticas pela UFBa, ilustrador, arte finalista e quadrinhista. Foi chargista do jornal Correio da Bahia e do Grupo Metrópole de Comunicação. Trabalhou por dez anos como desenhista da equipe do Estúdio Cedraz. Participou de vários salões de humor no Brasil e no exterior. Foto: Clara Cerqueira

Na primeira metade da década de 70, qualquer aficionado por quadrinhos sabia da existência do fanzine baiano Na Era dos Quadrinhos. Apesar de ter “agitado” as seções de cartas das principais revistas de quadrinhos nos cinco anos em que circulou, Na Era dos Quadrinhos “desapareceu” da história dos zines brasileiros – certamente pela “distância” da Bahia em relação aos principais polos editores. Foi com o Na Era que surgiram as primeiras manifestações conscientes no sentido de se construir uma HQ autenticamente nacional – e popular. O quadrinho baiano tomou fôlego com o surgimento do tabloide A Coisa no jornal Tribuna da Bahia em agosto de 1975. A Coisa foi um seguimento natural do Na Era. Em pouco tempo o suplemento semanal A Coisa revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos. Por enfrentar diversos problemas com a censura e por motivos internos do jornal, A Coisa foi reduzida a uma página, até sumir em março de 1976. Saíram 32 números com muito humor, quadrinhos e informações. A Coisa durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas ideias e projetos. Em junho de 1976 surgiu o nanico Coisa Nostra com texto, cartuns e quadrinhos. O importante – diziam os editores – ‘é que o riso não fique na boca. Ele tem de dar uma chegadinha na consciência’. Coisa Nostra durou apenas quatro números.

Além de Repare Só! Uma história dos quadrinhos na Bahia, Gutemberg lançou Traços da Diversidade. De J.Carlos a Laerte e Grande dicionário do quadrinho brasileiro, que é o resultado de uma vida inteira de pesquisador e do acúmulo de conhecimento em torno do assunto.


Repare só!: uma história dos quadrinhos na Bahia, de Gutemberg Cruz

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  1. Sinto tanto orgulho desse meu amigo!! Um verdadeiro gênio no registro da arte e da cultura. Que matéria linda, fundamental e necessária. Parabéns, Gutemberg Cruz! Belíssimo trabalho!!

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